Poemas sobre Crianças de Ruy Belo

4 resultados
Poemas de crianças de Ruy Belo. Leia este e outros poemas de Ruy Belo em Poetris.

Poema Quase ApostĂłlico

Está sereno o poeta
Desprende-se-lhe dos ombros e cai
depois em pregas por ele abaixo a manhĂŁ
NĂŁo pertencem ao dia os gestos que ele tem
nĂŁo morrerĂŁo na noite seus assombrosos passos
Dizem que ele volta a pĂ´r em movimento a roda
de crianças de atitudes desmedidas
que o vento varreu e parque algum queria
E abre os braços para deixar cair na cidade
um ano favorável ao senhor
E põe o rosto do senhor por trás das suas palavras
Elas decerto o hĂŁo-de dar a quem as demandar

O Portugal Futuro

O portugal futuro Ă© um paĂ­s
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
Ă© essa a forma do meu paĂ­s
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver Ă  beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relĂłgio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Algumas Proposições com Crianças

A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
Ă© o elemento prĂłprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

Poema Quotidiano

É tão depressa noite neste bairro
Nenhum outro porém senhor administrador
goza de tão eficiente serviço de sol
Ainda não há muito ele parecia
domiciliado e residente ao fim da rua
O senhor nĂŁo calcula todo o dia
que festa de luz proporcionou a todos
Nunca vi e já tenho os meus anos
lavar a gente as mĂŁos no sol como hoje
Donas de casa vieram encher de sol
cântaros alguidares e mais vasos domésticos
Nunca em tantos pés
assim humildemente brilhou
Orientou diz-se até os olhos das crianças
para a escola e pĂ´s reflexos novos
nas míseras vidraças lá do fundo

Há quem diga que o sol foi longe demais
Algum dos pobres desta freguesia
apanhou-o na faca misturou-o no pĂŁo
Chegaram a tratá-lo por vizinho
Por este andar… Foi uma autĂŞntica loucura
O astro-rei tornado acessĂ­vel a todos
ele que ninguém habitualmente saudava
Sempre o mesmo indiferente
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados
Íamos vínhamos entrávamos não víamos
aquela persistĂŞncia rubra. Ousaria
alguém deixar um só daqueles raios
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?

Continue lendo…