Trevas
De dia nĂŁo se via nada, mas p’la tardinha já se apercebia gente que vinha de punhaes na mĂŁo, devagar, silenciosamente, nascendo dos pinheiros e morrendo nelles. E os punhaes nĂŁo brilhavam: eram luzes distantes, eram guias de lençoes de linho escorridos de hombros franzinos. E a briza que vinha dava gestos de azas vencidas aos lençoes de linho, azas brancas de garças caĂdas por faunos caçadores. E o vento segredava por entre os pinheiros os mĂŞdos que nasciam.
E vinha vindo a Noite por entre os pinheiros, e vinha descalça com pĂ©s de surdina por mĂ´r do barulho, de braços estendidos p’ra nĂŁo topar com os troncos; e vinha vindo a noite cĂ©guinha como a lanterna que lhe pendia da cinta. E vinha a sonhar. As sombras ao vĂŞ-la esconderam os punhaes nos peitos vazios.
A lua Ă© uma laranja d’oiro num prato azul do Egypto com perolas desirmanadas. E as silhuetas negras dos pinheiros embaloiçados na briza eram um bailado de estatuas de sonho em vitraes azues. MĂŁos ladras de sombra leváram a laranja, e o prato enlutou-se.
Por entre os pinheiros esgalgados, por entre os pinheiros entristecidos, havia gemidos da briza dos tumulos,
Poemas sobre Dança de Almada Negreiros
2 resultadosRuinas
Pandeiros rôtos e côxas táças de crystal aos pés da muralha.
Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de princezas mortas.
Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mĂŁos esguias e de cabelleiras embranquecidas.
Aquellas ameias cingiram uma noite peccados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites rĂ©za a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castello de nobres naquelle lugar… E a lua, a contar, pára um instante – tem mĂŞdo do frio dos subterraneos.
Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e rizinhos de sêdas.
Aquellas ruinas sĂŁo o tumulo sagrado de um beijo adormecido – cartas lacradas com ligas azues de fechos de oiro e armas reais e lizes.
Pobres velhinhas da cĂ´r do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar…
Noites de insonia com as galés no mar e a alma nas galés.
Archeiros amordaçados na noite em que o cĂ´che era de volta ao palacio pela tapada d’El-rei. Grande caçada na floresta–galgos brancos e Amazonas negras.