Poemas sobre Fatos

29 resultados
Poemas de fatos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Poeta

– Poeta errante,
de olhar vago e distante
e azul,
o teu perfil singular
recorta-se angular
ao norte e ao sul.

– Os teus fatos coçados
bate-os o vento
e leva-os aos bocados…

E os sapatos gastos
pedem grandes repastos,
abrem bocas, esfomeados.

(Nos bolsos, imagino
asas de borboletas,
molhos de folhas secas,
poeiras e papéis…)

– Poeta errante,
caem por terra os livros e a estante,
e as torres esguias das igrejas,
e as paredes velhas dos bordéis!…

– Poeta errante,
vamos dormir na sombra dos vergéis!…

Requiem para um Defunto Vulgar

Antoninho morreu. Seu corpo resignado
é como um rio incolor, regressando à nascente
num silêncio de espanto e mistério revelado.
Está ali – estando ausente.

Jaz de corpo inteiro e fato preto.
Ele, da cabeça aos pés,
trivial e completo,
estátua de proa e moço de convés.

Jaz como se dormisse (pelo menos
é o que dizem as velhas carpideiras).
Jaz imóvel, sem gestos, sem acenos.
Jaz morto de todas as maneiras.

Jaz morto de cansaço, de pobreza, de fome
(sobretudo, de fome). Jaz morto sem remédio.
É apenas, sobre um papel azul, um nome.
De ser mais qualquer coisa, a morte impede-o.

Jaz alheio a tudo à sua volta,
à grita dos parentes, companheiros,
como um cavalo à rédea solta
ou no mar largo, os rápidos veleiros.

Jaz inútil, feio, pesado,
a colcha de crochet aconchega-o na cama.
Nunca esteve tão quente e animado.
Nunca foi tão menino de mama.

Os filhos olham-no e fazem contas cuidadosas:
padre, enterro, velório, certidão
de óbito… E discutem, com manhas de raposas,

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De um Amor Morto

De um amor morto fica
Um pesado tempo quotidiano
Onde os gestos se esbarram
Ao longo do ano

De um amor morto não fica
Nenhuma memória
O passado se rende
O presente o devora
E os navios do tempo
Agudos e lentos
O levam embora

Pois um amor morto não deixa
Em nós seu retrato
De infinita demora
É apenas um facto
Que a eternidade ignora

Dia de Descanso

Hoje reservo o dia inteiro para chorar
É o domingo decadente    em que muitos
esperam pela morte de pé
É o dia do sarro que vem à boca da mediocridade
circular    dos gestos que andam disfarçados de gestos
dos amores que deram em estribilhos
das correrias pederásticas para o futebol em calções
mais o melhor fato    e a mesquinhez nacional dos 10%
de desconto em todo o vestuário

E choro   choro   porque a coragem
não me falta para tudo isto e assisto
na nega de me ceder ao braço dado

Precisarei de um cansaço mas
lá estavam espertas
as mil e não sei quantas lojas abertas
para mo vender!

Mas hoje é domingo
Lá está o chão reluzente de martírio
e nem já o sonho me dá de graça o ter por não ter
já nem o amor que suponho me dá o sonho de ser

E choro de coragem    isto é
as lágrimas hão-de cair sêcas nas minhas mãos
Falo cristalinamente sozinho
procurando entre as paredes e as varandas que vão cair
algum acaso    isto é
o eco,

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Falsos Amigos

Tenho amigos que pensam confundir-me
igualando a loucura à minha ânsia.
Pobrezitos!, que tentam destruir-me
havendo de permeio esta distância.

Eu tenho pena de não ser um deles,
ao menos uma vez, por uns momentos.
Gostava de morrer um dia neles,
ressuscitando nos seus pensamentos.

Pintar-lhes-ei um dia o rosto a sério,
com talento nascido de neurose
que faça vê-los nus no baptistério
onde lavam a alma da esclerose?

Toda a gente rirá desse retrato,
e haverá certamente prò comprar
um novo-rico que lhe admire o fato
e o pendure na sala de jantar.

Hei-de pôr-Ihes uns olhos que reluzam,
mas vazios nas órbitas repletas,
profanação nos dedos que se cruzam,
num indigno repouso de poetas.

Ah, são eles que procuram destruir-me,
criticando-me as faces controversas!,
mas apenas conseguem reunir-me
nas mil forças que tenho bem dispersas.

Sou Eu

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

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Quando Está Frio no Tempo do Frio

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das cousas
O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno —
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no fato de aceitar —
No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do Verão
E o frio da terra no cimo do Inverno.

Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender só corri a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.

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Acordar na Rua do Mundo

madrugada, passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia é hoje?
soa o sino sólido as horas. os pombos
alisam as penas, no meu quarto cai o pó.

um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal já lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.

sirenes e buzinas, ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu, estragou-se o alarme
da joalharia, os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicam

o azul dos azulejos, assoma à janela
quem acordou. o alarme não pára o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
não gravou

e duma varanda um pingo cai
de um vaso salpicando o fato do bancário