A de Sempre, Toda Ela
Se eu vos disser: «tudo abandonei»
Ă porque ela nĂŁo Ă© a do meu corpo,
Eu nunca me gabei,
NĂŁo Ă© verdade
E a bruma de fundo em que me movo
NĂŁo sabe nunca se eu passei.O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos
Sou eu o Ășnico a falar deles,
O Ășnico a ser cingido
Por esse espelho tĂŁo nulo em que o ar circula
[através de mim
E o ar tem um rosto, um rosto amado,
Um rosto amante, o teu rosto,
A ti que nĂŁo tens nome e que os outros ignoram,
O mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim,
Os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te
E o sangue espalhado nos melhores momentos,
O sangue da generosidade
Transporta-te com delĂcias.Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te nĂŁo ter,
A candura de te esperar, a inocĂȘncia de te
[conhecer,
à tu que suprimes o esquecimento, a esperança e
[a ignorĂąncia,
Que suprimes a ausĂȘncia e que me pĂ”es no mundo,
Poemas sobre InocĂȘncia
25 resultadosUva, Pedra, Cavalo, Sol e Pensamento
O rio continua a passar na minha ausĂȘncia.
Eu nĂŁo sei o que o pĂĄssaro pensa da chuva.A terra tem o gosto agridoce de uma uva.
Tudo em que ponho o olhar tem mĂĄgica inocĂȘncia.Magra como uma vara de anzol pode ser a mulher.
Gorda como a cara do sol pode ser a laranja.Ligeiro, o cavalinho. Trem-de-ferro qualquer,
apitando, tudo Ă© bondade que a vida arranja.Os anos que a pedra vive no seio das ĂĄguas.
Os anos que o coração bate no peito do homem.Os pés e as pernas unidos na mesma faina.
As mĂĄgoas que se consomem iguais aos ventos.Uva, pedra, cavalo, sol e pensamento.
A Guerra
Musa, pois cuidas que Ă© sal
o fel de autores perversos,
e o mundo levas a mal,
porque leste quatro versos
de HorĂĄcio e de Juvenal,Agora os verĂĄs queimar,
jĂĄ que em vĂŁo os fecho e os sumo;
e leve o volĂșvel ar,
de envolta como turvo fumo,
o teu furor de rimar.Se tu de ferir nĂŁo cessas,
que serve ser bom o intento?
Mais carapuças não teças;
que importa dĂĄ-las ao vento,
se podem achar cabeças?Tendo as såtiras por boas,
do Parnaso nos dois cumes
em hora negra revoas;
tu dĂĄs golpes nos costumes,
e cuidam que Ă© nas pessoas.Deixa esquipar Inglaterra
cem naus de alterosa popa,
deixa regar sangue a terra.
Que te importa que na Europa
haja paz ou haja guerra?Deixa que os bons e a gentalha
brigar ao Casaca vĂŁo,
e que, enquanto a turba ralha,
vĂĄ recebendo o balcĂŁo
os despojos da batalha.Que tens tu que ornada histĂłria
diga que peitos ferinos,
O Livro dos Amantes
I
Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecĂvel.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinĂvel.Para que desses um nome
Ă exactidĂŁo do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
Ă humidade onde fica.E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.II
Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
nĂŁo compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.III
PrĂncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa ĂĄgua tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
PĂĄssaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadĂȘncia e em passagem
a lua que trazia e que apagou.IV
DĂĄ-me a tua mĂŁo por cima das horas.
Quero-te conciso.
AdĂŁo depois do paraĂso
errando mais nĂtido Ă distĂąncia
onde te exalto porque te demoras.
SugestĂŁo
Sede assim â qualquer coisa
serena, isenta, fiel.Flor que se cumpre,
sem pergunta.Onda que se esforça,
por exercĂcio desinteressado.Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados jå frios.Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂȘncios,
cheio de nascimentos e pétalas.Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.Ă cigarra, queimando-se em mĂșsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pĂĄssaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂȘncia para a morte.Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.NĂŁo como o resto dos homens.