Poemas sobre Mar de Al Berto

5 resultados
Poemas de mar de Al Berto. Leia este e outros poemas de Al Berto em Poetris.

hĂĄ-de flutuar uma cidade…

hĂĄ-de flutuar uma cidade no crepĂșsculo da vida
pensava eu… como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas ĂĄguas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentĂ­ssimos… sem ninguĂ©m

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado Ă  porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidĂŁo

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala Ă  minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dĂșvidas que alguma vez me visite a felicidade

Mais Nada se Move em Cima do Papel

mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo

os dedos cintilam no hĂșmus da terra
e eu
indiferente Ă  sonolĂȘncia da lĂ­ngua
ouço o eco do amor hå muito soterrado

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior desta Ăąnfora alucinada

desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem

o mar subiu ao degrau das manhĂŁs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusĂŁo

assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferogråfica cravada no coração

Corpo

corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocĂȘncia nua
dum lĂ­rio cujo caule se estende e
ramifica para lĂĄ dos alicerces da casa

abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os ĂłrgĂŁos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado

mas olho para as mĂŁos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas

levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sĂ­smico do mundo

Rumor dos Fogos

hoje Ă  noite avistei sobre a folha de papel
o dragĂŁo em celulĂłide da infĂąncia
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insĂłnia dos meus trinta e cinco anos…

dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi hĂĄ muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde
e as mĂŁos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais

nĂŁo quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longĂ­nquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silĂȘncio sĂ­laba a sĂ­laba o abandono
desta obra que fica por construir… o receio
de abrir os olhos e as rosas nĂŁo estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar

ficou-me esta mĂŁo com sua sombra de terra
sobre o papel branco… como Ă© louca esta mĂŁo
tentando aparar a tristeza antiga das lĂĄgrimas

Os Amigos

no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindĂĄveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as mĂĄscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lĂ­vido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidĂŁo transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausĂȘncia