Poemas sobre PĂ©s de Almada Negreiros

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Poemas de pés de Almada Negreiros. Leia este e outros poemas de Almada Negreiros em Poetris.

A Taça de Chá

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caida nas esteiras bordadas. E os bambús ao vento e os crysanthemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com elle a advinharem-lhe o fim. Em róda tombávam-se adormecidos os idolos coloridos e os dragões alados. E a gueisha, procelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, enrodilhou-se num labyrinto que nem os dragões dos deuses em dias de lagrymas. E os seus olhos rasgados, perolas de Nankim a desmaiar-se em agua, confundiam-se scintillantes no luzidio das procelanas.

Elle, num gesto ultimo, fechou-lhe os labios co’as pontas dos dedos, e disse a finar-se:–Chorar nĂŁo Ă© remedio; sĂł te peço que nĂŁo me atraiçoes emquanto o meu corpo fĂ´r quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ella, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Ceu para Elle, e a saltitar foi pelos jardĂ­ns a sacudir as mĂŁos, que todos os que passavam olharam para Ella.

Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um leque de marfim.

A estampa do pires Ă© igual.

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Trevas

De dia nĂŁo se via nada, mas p’la tardinha já se apercebia gente que vinha de punhaes na mĂŁo, devagar, silenciosamente, nascendo dos pinheiros e morrendo nelles. E os punhaes nĂŁo brilhavam: eram luzes distantes, eram guias de lençoes de linho escorridos de hombros franzinos. E a briza que vinha dava gestos de azas vencidas aos lençoes de linho, azas brancas de garças caĂ­das por faunos caçadores. E o vento segredava por entre os pinheiros os mĂŞdos que nasciam.

E vinha vindo a Noite por entre os pinheiros, e vinha descalça com pĂ©s de surdina por mĂ´r do barulho, de braços estendidos p’ra nĂŁo topar com os troncos; e vinha vindo a noite cĂ©guinha como a lanterna que lhe pendia da cinta. E vinha a sonhar. As sombras ao vĂŞ-la esconderam os punhaes nos peitos vazios.

A lua Ă© uma laranja d’oiro num prato azul do Egypto com perolas desirmanadas. E as silhuetas negras dos pinheiros embaloiçados na briza eram um bailado de estatuas de sonho em vitraes azues. MĂŁos ladras de sombra leváram a laranja, e o prato enlutou-se.

Por entre os pinheiros esgalgados, por entre os pinheiros entristecidos, havia gemidos da briza dos tumulos,

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Ruinas

Pandeiros rôtos e côxas táças de crystal aos pés da muralha.

Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de princezas mortas.

Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mĂŁos esguias e de cabelleiras embranquecidas.

Aquellas ameias cingiram uma noite peccados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites rĂ©za a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castello de nobres naquelle lugar… E a lua, a contar, pára um instante – tem mĂŞdo do frio dos subterraneos.

Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e rizinhos de sêdas.

Aquellas ruinas sĂŁo o tumulo sagrado de um beijo adormecido – cartas lacradas com ligas azues de fechos de oiro e armas reais e lizes.

Pobres velhinhas da cĂ´r do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar…

Noites de insonia com as galés no mar e a alma nas galés.

Archeiros amordaçados na noite em que o cĂ´che era de volta ao palacio pela tapada d’El-rei. Grande caçada na floresta–galgos brancos e Amazonas negras.

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Esperança

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e sĂł promete.
Esperança:
pobre mĂŁe louca
que quer pôr o filho morto de pé?

Esperança
Ăşnico que eu tenho
nĂŁo me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
nĂŁo me deixes sozinho
esperança.

A SĂ©sta

Pierrot escondido por entre o amarello dos gyrassois espreita em cautela o somno d’ella dormindo na sombra da tangerineira. E ella nĂŁo dorme, espreita tambem de olhos descidos, mentindo o sĂ´no, as vestes brancas do Pierrot gatinhando silencios por entre o amarelo dos gyrassois. E porque Elle se vem chegando perto, Ella mente ainda mais o sĂ´no a mal-resonar.

Junto d’Ella, nĂŁo teve mĂŁo em si e foi descer-lhe um beijo mudo na negra meia aberta arejando o pĂ© pequenino. Depois os joelhos redondos e lizos, e já se debruçava por sobre os joelhos, a beijar-lhe o ventre descomposto, quando Ella acordou cançada de tanto sĂ´no fingir.

E Elle ameaça fugida, e Ella furta-lhe a fuga nos braços nús estendidos.

E Ella, magoada dos remorsos de Pierrot, acaricia-lhe a fronte num grande perdĂŁo. E, feitas as pazes, ficou combinado que Ella dormisse outra vez.