Poemas sobre Remédios

26 resultados
Poemas de remédios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Teu SĂł Sossego aqui Contigo Ausente

Teu sĂł sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste Ă  justa de paredes,
Tenho-te em mĂłveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mĂ­nimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, TerpsĂ­core ou MnemĂłsine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, Ă  margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.
O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe Ă  ordenha,
E até nos quadros vive gente
Ă€ espera que a dona venha.
Porque tudo nos tectos Ă© coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso:
Por isso um pouco de fogo
Bate sanguĂ­neo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.

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A Teia da Esperança

A teia tecida
nas noites de esperança,
rasgada e ferida,
segue a nossa andança.

E juntos, mĂŁos dadas,
olhamos pra ela,
vontades paradas,
quais barcos sem vela.

Amigo, que o braço
cansado de tédio
ergamos no espaço!
É esse o remédio.

Depois de cerzidas,
nĂŁo ficam marcadas
profundas feridas
em teias rasgadas!

A Guerra

Musa, pois cuidas que Ă© sal
o fel de autores perversos,
e o mundo levas a mal,
porque leste quatro versos
de Horácio e de Juvenal,

Agora os verás queimar,
já que em vão os fecho e os sumo;
e leve o volĂşvel ar,
de envolta como turvo fumo,
o teu furor de rimar.

Se tu de ferir nĂŁo cessas,
que serve ser bom o intento?
Mais carapuças não teças;
que importa dá-las ao vento,
se podem achar cabeças?

Tendo as sátiras por boas,
do Parnaso nos dois cumes
em hora negra revoas;
tu dás golpes nos costumes,
e cuidam que Ă© nas pessoas.

Deixa esquipar Inglaterra
cem naus de alterosa popa,
deixa regar sangue a terra.
Que te importa que na Europa
haja paz ou haja guerra?

Deixa que os bons e a gentalha
brigar ao Casaca vĂŁo,
e que, enquanto a turba ralha,
vá recebendo o balcão
os despojos da batalha.

Que tens tu que ornada histĂłria
diga que peitos ferinos,

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A Adoração dos Magos

Aquela noite a trĂŞs
foi como desenhar a maçarico
numa chapa de ferro
um vento fĂłssil, um vĂ­treo monograma,
o rasto ao exceder o voo de uma carriça
cativo flutua no vidro de uma jarra.
Suspensos percorriam na polpa da vertigem
léguas sobre o abismo.
Pendentes do zinco da manhĂŁ
Ă  espera do inĂ­cio
do seguinte espectáculo
dispersaram o sémen
nas chaminés da noite leprosa.
Nos terraços da luta percorreram
as danças mais funestas da ternura.
Num combinar astuto de referĂŞncias
abriram-se os portais
e despediram galopes penitentes
os animais libertos
das tecidas mansões.
O unicórnio branco depôs sua cabeça
nos braços da senhora,
compadecida dama,
e lhe tocou fiando suas lĂŁs
entre as unhas crivadas por metralha.
Sinto-lhes o assédio,
em cada joelho poisam
um queixo armadilhado,
a barba já cresceu desde o jantar.
«É a adoração dos magos» – murmuras tu –
fincando na ravina os dedos imanados
enquanto o tronco investe
a pele percorrida por venosas nascentes.
Olho por sobre um ombro
e surpreendo a treva
ofendida esgueirar-se
entre os dedos da porta.

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Requiem para um Defunto Vulgar

Antoninho morreu. Seu corpo resignado
Ă© como um rio incolor, regressando Ă  nascente
num silêncio de espanto e mistério revelado.
Está ali – estando ausente.

Jaz de corpo inteiro e fato preto.
Ele, da cabeça aos pés,
trivial e completo,
estátua de proa e moço de convés.

Jaz como se dormisse (pelo menos
Ă© o que dizem as velhas carpideiras).
Jaz imĂłvel, sem gestos, sem acenos.
Jaz morto de todas as maneiras.

Jaz morto de cansaço, de pobreza, de fome
(sobretudo, de fome). Jaz morto sem remédio.
É apenas, sobre um papel azul, um nome.
De ser mais qualquer coisa, a morte impede-o.

Jaz alheio a tudo Ă  sua volta,
Ă  grita dos parentes, companheiros,
como um cavalo à rédea solta
ou no mar largo, os rápidos veleiros.

Jaz inĂştil, feio, pesado,
a colcha de crochet aconchega-o na cama.
Nunca esteve tĂŁo quente e animado.
Nunca foi tĂŁo menino de mama.

Os filhos olham-no e fazem contas cuidadosas:
padre, enterro, velĂłrio, certidĂŁo
de Ăłbito… E discutem, com manhas de raposas,

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lamento para a lĂ­ngua portuguesa

não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra lĂ­ngua possa
pĂ´r-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu prĂłprio paĂ­s quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nĂłs fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que sĂł ruĂ­nas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como Ă© realidade
a relação da língua com a morte,
o nĂł que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.

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