Poemas sobre Sempre de António Gomes Leal

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Poemas de sempre de António Gomes Leal. Leia este e outros poemas de António Gomes Leal em Poetris.

A Senhora de Brabante

Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mão macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.

Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.

Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!

Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinóis lembram o céu…

Dizem as lendas que Satã vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.

Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmóreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vêm abrindo…

Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…

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Miseria Occulta

Bate nos vidros a aurora,
Vem depois a noute escura;
E o pobre astro que ali móra,
Não abandona a costura!

Para uns a vida é d’abrolhos!
Para outros mouta de lyrios!
Bem o revelam seus olhos,
Pisados pelos martyrios!

Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o velludo
D’aquelles olhos honestos!…

Ninguem seus olhos brilhantes
Descobre n’essas alturas…
E aquellas formas tão puras,
E aquellas mãos elegantes!

Sempre á costura inclinada!
Morra o sol ou surja a lua
Nunca vi descer á rua
Aquella loura encantada!

Aquelle lyrio dobrado
Por que assim vive escondido!
Eu bem sei!–não tem calçado!
E é muito usado o vestido!

Por isso não tem porvir
Morrerá virgem e nova,
E aguarda-a bem cedo a cova…
Que eu bem a ouço tossir!

Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o veludo
D’aquelles olhos honestos!

Pobre flor desfalecida
Tão nova e ainda em botão!
Como teve estreita a vida,

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O Mundo Velho

Nas crises d’este tempo desgraçado,
Quando nos pomos tristes a espalhar
Os olhos pela historia do passado…
Quem não verá, contente ou consternado,
– Mundo velho que estás a desabar – ?!…

Sim tu estás a morrer, vil socio antigo…
E Pae de nossos vicios e paixões!
Camarada dos crimes, torpe amigo…
– Morre, emfim, correrá no teu jazigo,
Em vez de vinho, o sangue das nações!

Deves morrer, provecto criminoso!
Tens vivido de mais, vil sensual!
Tu estás velho, cansado e desgostoso,
E, como um velho principe gotoso,
Ris, cruelmente, ás sensações do mal.

– Que é feito do teu Deus, do teu Direito?
– Onde estão as visões dos teus prophetas?
– Quem te deu esse orgulho satisfeito?
Muribundo Caiphaz, junto ao teu leito,
Morrem, debalde, os gritos dos poetas!

No tempo em que eras forte, foi teu braço
Que apunhalou os grandes ideaes!…
Hoje estás gordo, sensural, devasso,
E andas, torpe a rir, como um palhaço,
N’um circulo lusente de punhaes.

Tu tens vendido os justos no mercado!

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Mysticismo Humano

A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!

Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…

– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…

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Em Viagem

Ia o vapôr singrando velozmente
O verde mar antígo e caprixoso,
Á rude voz do capitão Contente, –
Um rubro homem do mar silencioso.

Demandava a Madeira, – a ilha bella,
A patria excelsa e celebre do vinho,
A viagem foi curta; e no caminho
Intentei relações com Arabella.

Arabella era a lyrica ingleza,
Loura, pallida e fragil como um vime,
Que traz sempre a sua alma meiga presa
D’algum amor profundo, mas sublime.

O londrino, o Antony d’esses amores,
Era um rubro e excentrico burguez,
Mais amigo do bife que das flores,
– A extravagancia de chapeu inglez,

Seu olhar dubio, incerto e traiçoeiro
Tinha visões de sangue derramado
Em toda a parte; ao todo um ex-banqueiro,
– Um calvo, velho amigo do Peccado!

Nunca o olhar fitava em sitio certo; –
Vogava ás vezes só no tombadilho,
Com um comprido e merencorio filho,
E ninguem viu-lhe um riso franco e aberto.

Punha, ás vezes, no mar o olhar sombrio;
E ao vento, a fita branca do chapeu
Dir-se-hia a vella triste d’um navio
De naufragos,

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Tristissima

N’um paiz longe, secreto,
Lendaria ilha affastada,
Jaz todo o dia sentada
N’um throno de marmor preto.

No seu palacio esculpido
Não entram constellações;
Os tectos dos seus sallões
São todos d’ouro polido!

Nas largas escadarias
Sobem vassallos ao cento,
De noute suluça o vento
N’aquellas tapeçarias.

E pelas largas janellas
Fechadas, sempre corridas,
Ha flores desconhecidas
Que não olham as estrellas.

Na dextra segura um calix,
– Calix da Dôr e da Magoa!
Onde está contida a agoa
E o sangue dos nossos males!

Pelas florestas sosinhas
Escuras, sem rouxinoes,
Erram chorando os Heroes,
E as desgraçadas Rainhas.

Seguida, á noute, de servas,
Caminha, em cortejo mudo,
Rojando o negro velludo
De seu cabello nas hervas.

Sómente ao vel-a passar
Ficam as almas surprezas;
– Ha todo um mar de tristezas
No abismo do seu olhar!

Aquelle Sabio

N’aquellas altas janellas
Que deitam para o telhado;
Eu vejo-o sempre encostado,
A namorar as estrellas.

Tem assim ares d’empyrico
Mui lido em philosophástros;
É um pobre poeta lyrico,
Que escreve cartas aos astros.

Traz luto nos seus vestidos
Por uma Ophelia de menos,
Tem uns cabellos compridos,
E uns olhos tristes, serenos.

Parece um Jove proscripto,
E já descrente das Ledas,
Conhece o hebraico, o sanscrito
E os livros santos dos Vedas.

Espelha na luz do olhar
Não sei que visões amenas;
Anda sempre a imaginar
Idylios ás açucenas.

E aquella mulher vaidosa
–Que elle chama a sua Egeria–
Ri d’aquella alma anciosa,
E aquella triste miseria…

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Mais de tres dias ou quatro
Que lhe falta o necessario;
Estava hontem no theatro
Com luvas côr de canario.