Mysticismo Humano
A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…
Poemas sobre Serenos
78 resultadosSereno e Vendo a Vida à Distância a que Está
A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos Secos.
O frio leve treme.Desterrado da pátria antiquíssima da minha crença,
Consolado só por pensar nos deuses,
Aqueço-me trémulo
A outro sol do que este.O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves
De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhorMe fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está.
Desânimo
Que mimos me confortam?
Que doce luz me acena?
Eu tenho muita pena
De ter nascido até!Quizera antes ao pé
D’uma arvore frondosa
Ter já em cima a lousa
E descançar emfim!Alli, nem tu de mim
De certo te lembravas,
Nem estas feras bravas
Me iriam assaltar!Alli, teria um ar
Mais puro e respiravel,
E a paz imperturbavel
De quem, emfim, morreu!D’alli, veria o céo
Ora sereno e puro,
Ora toldado e escuro…
Ainda assim melhor,Que este areal de amor
Onde ando ao desamparo,
Onde a ninguem sou caro
E nem, a mim, ninguem!Alli passára eu bem
A noite derradeira
Á sombra hospitaleira
Que mais ninguem me dá!Tu mesma, que não ha
Quem eu mais queira e ame,
Quem a minha alma inflamme
De mais ardente amor,Os ais da minha dôr
A ti o que te importam?
Teus olhos nem supportam
A minha vista ao pé!Que mimos me confortam?
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
O Nascimento
Aí vem a estrela! Aí vem, sobre a montanha,
Rompendo a sombra etérea do crepúsculo!
A paisagem tornou-se mais estranha,
Mais cheia de silêncio e de mistério!
Dormem ainda as árvores e os homens,
E dorme, em alto ramo, a cotovia…
E, se ergue já seu canto, é porque sonha
julga ver, sonhando, a luz do dia!E, pelos negros píncaros, a estrela
É divino sorriso alumiante.
Oh, que esplendor! Que formosura aquela!
É lírio de oiro aberto! É rosa a arder!Aí vem a estrela! Aí vem, sobre a montanha,
Tão virginal, tão nova, que parece
Sair das mãos de Deus, a vez primeira!E como, sobre os montes, resplandece!
Persegue-a o sol amado… No oriente,
Alastra um nimbo anímico de luz.
E a antiga dor das trevas, suavemente,
Ondula, em transparência e palidez.Aí vem a estrela, alumiando a serra!
E os olhos encantados dos pastores
Voltam-se para a estrela… E cá na terra
Há mágoas e penumbras, a fugir…Como ela voa, cintilando e rindo
Aos penhascos agrestes e desnudos!
Nasceu um Menino
Nasceu, nasceu um Menino,
Nasceu um Menino mais,
No bercinho pouco fino
Das palhas duns animais!Que num vil curral por quarto
E entre uns pedregulhos nus,
Teve a santa dor do parto
A Mulher que o deu à luz.Mas de cada vez, no mundo,
Que mais um ser aparece,
Quem pode descer ao fundo
Do que o Destino nos tece?À hora em que Este chegava,
Lá para um cerro distante,
Por cada fibra chorava
Una velho cedro gigante.Chorava porque sabia
Que em seu peito condenado
Aquele Menino, um dia,
Seria crucificado.Ora cada vez, no mundo,
Que nasce mais um Menino,
Quem pode descer ao fundo
Do que nos tece o Destino?Já, pelos céus fora, um astro
Descendo sobre o curral,
Abre para sempre um rastro
De alvor sobrenatural.E o velho cedro, que chora
Porque se julga precito,
Pelos séculos em fora
Será sagrado e bendito.Que abertos pelos espaços,
No azul sereno e profundo,
Canção Grata
Por tudo o que me deste:
— Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco…
— Obrigado, obrigado!Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
— Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado…
Sem ironia, amor: — Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!
A Força que Há na Luz
A força que há na luz, não sua ausência,
pode ser a origem mais secreta
do escuro em que afundamos de repente:
por excesso de luz, eis que estou cega,
por excesso de amor, eu não entendo
– o farfalhar macio, a crua seda –
aquilo que nos move, e que ultrapassa
o limite de tudo o que sabemos.
Por excesso de dor eu me humanizo,
eu me faço pequena e tão real,
nos tornamos serenos, silenciosos,
tão reais e inocentes e macios,
que essa luz que não vemos é demais.
Mesmo ser é um excesso em que caímos.
Poema para a Catarina
Hei-de levar-te filha a conhecer a neve
tu que sabes do sol e das marés
mas nunca repousaste os teus pequenos pés
na alvura que só longe e em ti houveTinha estado na morte e não pudera
aguentar tamanha solidão
mas depois tive a companhia do nevão
e tu hás-de vir filha com a primaveraE o deslumbrante resplendor da alegria
tua fidelidade eterna à vida
já não permitirão tua partida
quando raiar fatal o novo diaAs barcas carregadas com as rosas
virão perto daquela pura voz
abandonada pelos meus longínquos avós
em lagoas profundas perigosasNão me afecta o mínimo cuidado
sinto-me vertical sinto-me forte
embora leve em mim até à morte
a cabeça de um príncipe coitadoNaquelas madrugadas primitivas
eu segregava um secreto pranto
vizinho da alegria enquanto
pelos dias tu ias de mãos vivas
O costume da minha solidão
é ver pela janela as oliveiras
que de todas as árvores foram as primeiras
que tocaram meu jovem coraçãoPurificado pelo tempo estou
um tempo de feroz esquecimento
vem minha filha vem neste momento
em que eu liberto ao teu encontro vouRecordo-me do teu cabelo de chuva
quando tu caminhavas ágil e ladina
pelos desfiladeiros da neblina
nessa distante região da uvaMinha paixão viril serena pelos ritos
deseja que na minha companhia
tu sejas imolada à alegria
na surda região alheia aos gritosNão olhes o meu rosto devastado pela idade
a vida para mim é como se chovesse
mas se viesses seria como se me acontecesse
cantar contigo a perene mocidadeO tempo em que viesses sim seria
um tempo vertebrado um tempo inteiro
e não meras palavras arrancadas ao tinteiro
e alinhadas em fugaz caligrafiaViesses tu que a tua vinda afastaria
todos os meus cuidados transumantes
e para sempre alegre viveria
os meus dias infantes já distantesA solução da solidão compartilhada
onde vejo o meu mais profundo mundo
seria a solução ampla e sem fundo
oposta sem resposta ao meu país do nadaCom a voracidade do olvido
seria só tu vires e lutares
e por mim de olhos enormes e crepusculares
serias ente querido recebidoVolta com os primeiros anjos de dezembro
num vasto laranjal eu quero amar-te
e então a tua vida há-de ser a minha arte
e o teu vulto a única coisa que relembroO passado é mentira digo eu
sensível ao esplendor do meio-dia
e sob a árvore plena da alegria
o mínimo cuidado esmoreceuAo grande peso de tanto passado
com a insónia da dúvida na testa
basta a tua presença que protesta
e todo eu me sinto renovado
A Vida Passa como se Temêssemos
Deixemos, Lídia, a ciência que não põe
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada
Com seus cansados olhos.Vê como Ceres é a mesma sempre
E como os louros campos intumesce
E os cala prás avenas
Dos agrados de Pã.Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,
As ninfas não sossegam
Na sua dança eterna.E como as heniadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pã.
Na atenção à sua flauta.Não de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo
Ou a prata de Diana.Quer troe Júpiter nos céus toldados.
Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias
E os erguidos rochedos.Do mesmo modo a vida é sempre a mesma.
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos.
Os Amantes
Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor.
Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo
de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor
da outra Vida maior, onde os levara o ensejo
de ultrapassarem a carne. Em solidão limitados,
num barco sem dia a dia, compromissos ou tratados,
singram velozes sem tempo, definidos pela estrela
que lhes indica, serena e nitidamente, o norte.Encheram de novo a taça; incha mais a panda vela.
E para serem iguais, apenas lhes falta a Morte!
A uma Moça Vendendo Camoezas
Para a feira vai Luisa
co seu balaio à cabeça,
todo enramado de louro
e cheio de camoezas.Leva saia de cilício,
também jubão branco leva,
que serve o jubão de branco
onde amor atira as flechas.Sobre os dedos pendurados
levava os punhos da renda;
tão valentona caminha
que treme o bairro de vê-la.Lá no meio do Rossio
levanta a voz mui serena
como se aprendera solfa:
– Eu já tenho camoezas!
Nocturno
Por onde quer que minha alma
navegue, ou ande, ou voe, tudo, tudo
é seu. Que tranquila
em toda a parte, sempre;
agora na alta proa
que em duas pratas abre o azul profundo,
descendo ao fundo ou subindo ao céu!Oh, que serena a alma
quando se apoderou,
como rainha solitária e pura,
do seu império infindo!Tradução de José Bento
Guerra
Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já não pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando,
Lua Nova
Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.***
E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”***
E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo co’as frutas* que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,
À Musa
À luz das noites serenas
A capela de açucenas
Te envolve em lúcido véu!
Ao meigo clarão da lua
És a imagem que flutua
No puro ambiente do céu!E os ternos suspiros soltos,
E os teus cabelos revoltos
Ao sabor da viração,
Perpassam brandos na mente
Como as brisas do poente
Na cratera do vulcão!Ó santa imagem querida,
Como és bela adormecida!
Que mistério em teu palor!
Que doçura no teu canto,
E que perfume tão santo
Nas tuas cismas d’amor!Deixa cair uma rosa
Da tua fronte mimosa,
Da vida no turvo mar!
Descerra-me o paraíso
Que no teu fugaz sorriso
Nos faz viver e sonhar!
Sonho
Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!Sonho… Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite… A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço… O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa…
Desejo
Oh! quem nos teus braços pudera ditoso
No mundo viver,
Do mundo esquecido no lânguido gozo
D’infindo prazer.Sentir os teus olhos serenos, em calma,
Falando d’além,
D’além! duma vida que sonha minha alma,
Que a terra não tem.Eu dera este mundo, com tudo o que encerra
Por tal galardão:
Tesouros, e glórias, os tronos da terra,
Que valem, que são?A sede que eu tenho não morre apagada
Com tal aridez:
Pudesse eu ganhá-los, e iria seu nada
Depor a teus pés.E só desejando mais doce vitória,
Dizer-te: eis aqui
Meu ceptro e ciência, tesouros e glória:
Ganhei-os por ti.A vida, essa mesma daria contente,
Sem pena, sem dor,
Se um dia embalasses, um dia somente,
Meu sonho d’amor.Isenta do laço que ao mundo nos prende,
A vida que vale?
A vida é só vida se o amor nela acende
Seu doce fanal.Aos mundos que eu sonho pudesse eu contigo,
Voando, subir;
Depois que importava? depois no jazigo
Sorrira ao cair.