Sonetos sobre Aurora de Augusto dos Anjos

6 resultados
Sonetos de aurora de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

Lirial

Por que choras assim, tristonho lĂ­rio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P’ra que pendes o cálice que enflora
Teu seio branco do palor do cĂ­rio?!

Baixa a mim, irmã pálida da Aurora,
Estrela esmaecida do MartĂ­rio;
Envolto da tristeza no delĂ­rio,
Deixa beijar-te a face que descora!

Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a pétala divina
Da rosa, onde nĂŁo pousa a desventura.

Ai! que ao menos talvez na vida escassa
Não chorasses à sombra da desgraça,
Para eu sorrir Ă  sombra da ventura!

Noivado

Os namorados ternos suspiravam,
Quando há de ser o venturoso dia?!
Quando há de ser!? O noivo então dizia
E a noiva e ambos d’amores s’embriagavam.

E a mesma frase o noivo repetia;
Fora no campo pássaros trinavam,
Quando há de ser!? E os pássaros falavam;
Há de chegar, a brisa respondia.

Vinha rompendo a aurora majestosa,
Dos rouxinĂłis ao sonoroso harpejo
E a luz do sol vibrava esplendorosa.

Chegara enfim o dia desejado,
Ambos unidos soluçara um beijo,
Era o supremo beijo de noivado!

Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura

Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarĂŁo de morte
E Ela era a minha estrela, o meu Ăşnico Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!

Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarĂŁo eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, SĂ­rius da minha Sorte
E da Noute da vida a VĂŞnus Redentora.

Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,

Ascende Ă  Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!

A Minha Estrela

A meu irmĂŁo AprĂ­gio A.

E eu disse – Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
– A sombra deste afeto estiolado.

Disse, e a estrela foi p’ra o CĂ©u subindo,
Minh’alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do CĂ©u ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindo

Surgia a Aurora – a mágica princesa!
E eu vi o Sol do CĂ©u iluminando
A Catedral da Grande Natureza.

Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!

Soneto

Senhora, eu trajo o luto do passado,
Este luto sem fim que é o meu Calvário
E anseio e choro, delirante e vário,
Sonâmbulo da dor angustiado.

Quantas venturas que me acalentaram!
Mau peito, tĂşm’lo do prazer finado,
Foi outrora do riso abençoado,
O berço onde as venturas se embalaram.

Mas nĂŁo queiras saber nunca, risonha,
O mistĂ©rio d’um peito que estertora
E o segredo d’um’alma que nĂŁo sonha!

NĂŁo, nĂŁo busques saber por que, Senhora,
É minha sina perenal, tristonha
– Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.

GĂŞnio Das Trevas LĂşgubres, Acolhe-me

GĂŞnio das trevas lĂşgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!

Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă  ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tĂŞnebras recolhe-me!

Aqui há muita luz e muita aurora,
Há perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,

E as trevas moram, e, onde d’água raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!