Na Igreja, considerada como organismo social, os mistérios inevitavelmente degeneram em crenças.
Passagens sobre Mistério
367 resultadosCaminho Monótono
E por que hei de negar?…Ah! o encanto da estrada
abrindo em cada curva um leque de paisagem,
e o mistério da casa escondida e encantada
que mora sob a sombra amiga da folhagemE por que hei de negar? Se isso é a vida passada;
se o fastio espantou o encanto da miragem
Hoje – o olhar distraído, e a alma já cansada
repetem todo dia e sempre a mesma viagemE por que hei de negar? Ah! Aquelas ânsias loucas
dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas
e das mãos, não sabendo nunca onde pousar…Hoje… por mais que venhas, sempre estou sozinho…
E por que hei de negar? Se teu corpo é um caminho
onde de olhos fechados posso caminhar?…
Há loucos em todas as seitas e impostores na maioria. Por que eu deveria acreditar em mistérios que ninguém entende, só porque foram escritos por homens que escolheram confundir loucura com inspiração e que se autodenominam evangelistas?
A Verdade Universal Não Existe
Consultei os filósofos, folheei os seus livros, examinei as suas diversas opiniões; achei-os todos orgulhosos, afirmativos, dogmáticos – mesmo no seu pretenso cepticismo -, não ignorando nada, não demonstrando nada, troçando uns dos outros; e esse ponto, que é comum a todos eles, pareceu-me ser o único em que todos concordavam. Triunfantes quando atacam, não têm vigor quando se defendem. Se examinais as suas razões, só as têm para destruir; se contais os seus caminhos, cada um está limitado ao seu; só se põem de acordo para discutir; prestar-lhes ouvidos não era o meio de me livrar da minha incerteza. Compreendi que a insuficiência do espírito humano é a primeira causa dessa prodigiosa diversidade de sentimentos, e que o orgulho é a segunda.
Nós não temos a medida dessa imensa máquina, não podemos calcular as suas proporções; não lhe conhecemos nem as primeiras leis nem a causa final; ignoramo-nos a nós mesmos; não conhecemos nem a nossa natureza nem o nosso princípio activo; mal sabemos se o homem é um ser simples ou composto: mistérios impenetráveis rodeiam-nos por todos os lados; pairam por cima da região sensível; para os compreendermos, supomos ter inteligência, e apenas temos imaginação. Cada um de nós abre através desse mundo imaginário –
Somos navegantes num mar que não conhecemos; que Ele conserve sempre nossa coragem em aceitar esse mistério.
Nunca para dentro da vida de nenhum outro homem se insinuou tanto o mistério do mundo. Tão familiarmente, por assim dizer. O mistério do mundo encontra não apenas o meu pensamento, mas também o meu sentimento.
A Desventura Máxima é a Solidão
A desventura máxima é a solidão. É tão verdade que o reconforto supremo – a religião – consiste em encontrar uma companhia que nunca falhe – Deus. A oração é um desabafo, como com um amigo. A obra equivale à oração, porque nos põe em contacto com os que dela tirarão proveito. O problema da vida é, portanto, o seguinte: como romper a nossa solidão, como comunicar com os outros. Assim se explica a existência do matrimónio, da paternidade, das amizades. Mas que a felicidade resida nisto, balelas! Porque se deva estar melhor comunicando com os outros do que só, é estranho. É talvez apenas uma ilusão: a maior parte do tempo, estamos muitíssimo bem sós. É agradável ter, de tempos a tempos, um odre em que nos possamos despejar e, em seguida, bebermo-nos a nós próprios: dado que pedimos aos outros apenas aquilo que já temos em nós. É um mistério o motivo por que não basta perscrutar e beber em nós próprios e seja preciso reavermo-nos por intermédio dos outros. (O sexo é um incidente: o que recebemos é momentâneo e casual; pretendemos algo de mais secreto e misterioso de que o sexo é apenas um sinal, um símbolo).
Réquiem Do Sol
Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusões as trêmulas coortes
Buscam a luz do teu clarão magoado…A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhões de mortes
Passa em tropel de trágicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangüentado…Do alto dominas vastidões supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…Mas lá, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!
Noite Luarenta
Noite luarenta
Noite a luarar
Noite tão sangrenta
Noite a dar a dar
Na chaminé da planície
a solidão a cismar
na chaminé da planície
noite luarenta a dar a dar
Noite luarenta
noite de mistério
noite tão sangrenta
solidão cemitério
Na chaminé da planície
o Alentejo a solidar
noite luarenta que o visse
noite luarenta a dar a dar
Noite luarenta
noite luarol
na chaminé da planície
o temor e o tremor
O cavalo a luarar
a lua a fazer meiguice
noite luarenta a luarar
noite luarenta a luarice.
O eterno mistério do céu estrelado e as maravilhas da mecânica celeste são lei mas não evangelho. A misericórdia cresce nas fundações da vida.
Solidão
Vago aroma de esteva, ao mesmo tempo ardente e virgem,
E este murmúrio doce da folhagem,
São o falar do mato, na estiagem,
Segredando os mistérios da origem.Calma profunda, doce, resignada…
A vida não é mais do que o viver
Da paisagem nostálgica e pasmada.A solidão tem dedos de veludo,
De frementes afagos delicados.
— Bendita solidão, que beijas tudo,
Onde andarão meus sonhos desvairados?!…Nestes montados, Que purificação me invade a alma!
Como entra, em mim, toda a serenidade
Dos ermitões, orando na paisagem!Nesta paisagem,
Calma, calma, calma,
Como a Eternidade.
Que demônio benévolo é esse que me deixou assim envolto em mistério, em silêncio, em paz e perfumes?
DEZEMBRO Quem me acode à cabeça e ao coração neste fim de ano, entre alegria e dor? Que sonho, que mistério, que oração? Amor.
O fado é um mistério. Nunca ninguém vai conseguir explicá-lo!
Não é o problema que nos fascina mas o mistério. Porque não nos fascina o que tem resolução mas o que a não pode ter. E para o homem só o que é demais é que é bastante.
O chorar tem mistérios recônditos em parte do coração, onde não chega a sonda; e, às vezes, sucede cuidar a gente que a sonda toca em fibra generosa, e, ao retirá-la, dá fé que tocou em lodo.
O meu público é aquele que vai ver os meus filmes. O cinema dá-nos uma visão da vida.E a vida é um mistério.
A Árvore, a Estrela e a Pequena Mão
A pequena mão desenha a árvore
onde uma estrela se aninha para dormir.
Que dia será o de amanhã
no meio dos escombros onde o eco da súplica
enlouquece os cães famintos?
Quadro trágico para uma noite assim.
A pequena mão pega na borracha
e tenta apagar toda a dor do mundo
e acender com um novo traço
a claridade que resgata a alma.
A estrela acorda numa copa alta
e segue o caminho do que sabe
até encontrar a pequena mão
que tudo reinventa à medida do que somos.
Quando o encontro acontece
já não é noite nem dia, tempo infinito,
mas apenas um lugar onde o choro das crianças
de súbito se transforma em cântico.A pequena mão desenha tudo
o que falta desenhar para o sonho fazer sentido.
É uma mão frágil mas firme, apenas sábia,
e quando abre o livro azul das manhãs
é sempre para escrever as palavras
que o estrondo abafou nas cidades feridas.
A pequena mão desenha uma árvore,
uma estrela e uma mãe aflita.
Depois desenha uma linha de horizonte,
A natureza é esse belo mistério que nem a psicologia nem a retórica decifram.
Para Sempre
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.