A morte é o repouso, mas o pensamento da morte é o perturbador de todo o repouso.
Passagens de Cesare Pavese
132 resultadosAfirmar que os nossos êxitos são devidos à Providência e não à habilidade, é uma esperteza mais para aumentar, aos nossos olhos, a importância desses êxitos.
Mania da Solidão
Como um jantar frugal junto à clara janela,
Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu.
Se saísse, as ruas tranquilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo;
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na ancha planura. As estrelas são vivas,
mas não valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tectos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos.
Um grande golo e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel.Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita impassível: um cicio de silêncio.
Cada coisa na escuridão posso sabê-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.
O sexo é um acidente: o que dele recebemos é momentâneo e casual; visamos a algo mais secreto e misterioso do qual o sexo é apenas um sinal, um símbolo.
Não é bom ser criança: bom é, quando somos velhos, pensar em quando éramos crianças.
Os «afectos mais sagrados» não passam de uma preguiçosa habituação.
Se é verdade que nos habituamos à dor, como é que, com o andar dos anos, sofremos cada vez mais?
Coisas que não custam nada são as mais caras. Elas nos custam o esforço de entender por que são de graça.
A única alegria no mundo é começar. É bom viver porque viver é começar sempre, a cada instante.
Uma Recordação
Não há homem que consiga deixar uma marca
nela. Todo o passado se dilui num sonho
como uma rua na manhã e só fica ela.
Se não fosse a testa franzida por um momento
pareceria atónita. As maçãs do rosto têm sempre
um sorriso.Também não se acumulam os dias
no seu rosto, nem alteram o sorriso leve
que irradia sobre todas as coisas. Com uma firmeza dura
faz cada coisa como se fosse a primeira;
no entanto vive-a até ao último momento. O seu corpo
firme abre-se, o olhar recolhido,
a uma voz doce e algo rouca: à voz
dum homem cansado. E nenhum cansaço a toca.Quando se lhe olha para a boca, semicerra os olhos
à espera: ninguém se arriscaria.
Muitos homens conhecem o seu ambíguo sorriso
ou a súbita ruga. Se homem existiu
que a soube queixosa, humilhada de amor,
paga dia após dia, ignorando dela
por quem vive hoje.Caminhando pela rua
sorri sozinha o sorriso mais ambíguo.Tradução de Carlos Leite
A bondade que nasce do cansaço de sofrer é um horror pior do que o sofrimento.
O Cansaço da Literatura
Entre os sinais que me avisam de que a juventude terminou, o principal é aperceber-me de que a literatura já não me interessa verdadeiramente. Quero dizer que já não abro os livros com aquela viva e ansiosa esperança de coisas espirituais que, apesar de tudo, outrora sentia. Leio e quereria ler cada vez mais, mas já não recebo as várias experiências com entusiasmo, já não as fundo num sereno tumulto pré-poético. A mesma coisa acontece-me ao passear por Turim; já não sinto a cidade como um incentivo sentimental e simbólico para a criação. Já está feito, dá-me vontade de responder de cada vez.
Tomadas em justa conta as minhas várias equimoses, obsessões, fadigas e terrenos estéreis, resulta claro que já não sinto a vida como uma descoberta e, muito menos, então, como poesia – mas, antes, como um frio material para especulações, análises e deveres. Aqui encalha, agora, a minha vida: a política, a prática, tudo coisas que se aprendem nos livros, mas os livros não alimentam como o faz, pelo contrário, a esperança de criação.
Ora, quando novo, procurava um sistema ético: descoberta a posição do impassível explorador, vivia-a e desfrutava-a sob a forma de criação. Agora,
Não nos lembramos de dias, lembramo-nos de momentos.
Os lugares onde foste feliz, tornam-se inabitáveis
Ironia da vida: a mulher dá-se como prémio ao fraco e apoio ao forte, e nunca ninguém tem o que precisa.
A vida sem fumo é como o fumo sem o assado.
A Lamentação é Completamente Inútil
Não há dúvida de que é inútil e prejudicial lamentarmo-nos perante o mundo. Resta saber se não é igualmente inútil e prejudicial lamentarmo-nos perante nós próprios. Evidentemente. De facto, ninguém se lamentará perante si próprio, a fim de se incitar à piedade, o que nada significaria, dado que a piedade é, por definição, o voluptuso encontro de dois espíritos. Para quê, então? Não para obter favores, porque o único favor que um espírito pode fazer a si próprio é conceder-se indulgência, e toda a gente percebe quanto é prejudicial que a vontade seja indulgente para com a sua própria e lamentável fraqueza.
Resta a hipótese de o fazermos para extrair verdades do nosso coração amolecido pela ternura. Mas a experiência ensina que as verdades surgem apenas em virtude de uma pacata e severa busca, que surpreende a consciência numa atitude inesperada e a vê, como de um filme que parasse de repente, estupefacta, mas não emocionada.
Basta, portanto.
Amor é desejo de conhecimento.
A Ironia da Escolha
O prazer – um dos mais autênticos – de apreender que alguém está forçado a escolher, que não pode ter duas coisas ao mesmo tempo. É um sinal do carácter trágico da vida, que consiste no facto de um valor não se conciliar com outro. Consequência: renunciaste a muitas coisas para ter uma só – e agrada-te que os outros sintam também o império desta lei.
As pessoas que take for granted qualquer coisa entram em colisão contigo na medida justamente em que pretendem escapar a esse carácter trágico. As pessoas que gozam pagãmente qualquer coisa, idem, na medida também em que negam, por avidez, a incerteza e a contingência. Aspirar a qualquer coisa, pretendê-la, é em si mesmo agressivo na medida em que suprime a ironia da vida.
Odiamos os outros porque nos odiamos a nós próprios.
Tu, no entanto, take for granted o que não se deve take for granted. Aqui vem a propósito a pureza do coração, a humildade, a aceitação do mundo de Deus.
Apenas o que passou, ou mudou, ou desapareceu, nos revela a sua verdadeira natureza.