Sonetos sobre Choro de Florbela Espanca

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Sonetos de choro de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

A Minha Dor

A minha Dor Ă© um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsÔes sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos tĂȘm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos tĂȘm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…

A minha Dor Ă© um convento. HĂĄ lĂ­rios
Dum roxo macerado de martĂ­rios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguĂ©m ouve… ninguĂ©m vĂȘ… ninguĂ©m…

Filtro

Meu Amor, nĂŁo Ă© nada: – Sons marinhos
Numa concha vazia, choro errante…
Ah, olhos que nĂŁo choram! Pobrezinhos…
NĂŁo hĂĄ luz neste mundo que os levante!

Eu andarei por ti os maus caminhos
E as minhas mĂŁos, abertas a diamante,
HĂŁo de crucificar-se nos espinhos
Quando o meu peito for o teu mirante!

Para que corpos vis te nĂŁo desejem,
Hei de dar-te o meu corpo, e a boca minha
Pra que bocas impuras te nĂŁo beijem!

Como quem roça um lago que sonhou,
Minhas cansadas asas de andorinha
HĂŁo-de prender-te todo num sĂł vĂŽo…

LĂĄgrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plĂĄcida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…

E as lĂĄgrimas que choro, branca e calma,
NinguĂ©m as vĂȘ brotar dentro da alma!
NinguĂ©m as vĂȘ cair dentro de mim!

A Um Livro

No silĂȘncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mĂĄgoas que me deste.

Estranho livro que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste Ă© meu, e salma
As oraçÔes que choro e rio e canto!…

Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!… Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!…

Torre de NĂ©voa

Subi ao alto, Ă  minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que sĂŁo meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusÔes, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! …”

Calaram-se os poetas, tristemente …
E Ă© desde entĂŁo que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao cĂ©u! …