Sonetos sobre Dizer de Florbela Espanca

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Sonetos de dizer de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Amiga

Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mĂŁos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascĂŞssemos irmĂŁos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…

Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mĂŁos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…

O Maior Bem

Este querer-te bem sem me quereres,
Este sofrer por ti constantemente,
Andar atrás de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda a gente.

Mesmo a beijar-me a tua boca mente…
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Pousa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vĂŁos dizeres!…

Mas que me importa a mim que me nĂŁo queiras,
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mísero pungir, árduo e profundo,

Do teu frio desamor, dos teus desdéns,
É, na vida, o mais alto dos meus bens?
É tudo quanto eu tenho neste mundo?

Alvorecer

A noite empalidece. Alvorecer…
Ouve-se mais o gargalhar da fonte…
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

Há andorinhas prontas a dizer
A missa d’alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe… um vulto que se esvai…
Em cada sombra Colombina trai…
Anda o silĂŞncio em volta a q’rer falar…

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar…

Quem?

NĂŁo sei quem Ă©s. Já nĂŁo te vejo bem…
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!…)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?

NĂ©voa? Quimera? Fumo? Donde vem?…
– NĂŁo sei se tu, amor, assim me vĂŞs!…
Nossos olhos nĂŁo sĂŁo nossos, talvez…
Assim, tu nĂŁo Ă©s tu! NĂŁo Ă©s ninguĂ©m!…

És tudo e nĂŁo Ă©s nada… És a desgraça…
És quem nem sequer vejo; Ă©s um que passa…
És sorriso de Deus que nĂŁo mereço…

És aquele que vive e que morreu…
És aquele que Ă© quase um outro eu…
És aquele que nem sequer conheço…

Crucificada

Amiga… noiva… irmĂŁ… o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei-de merecĂŞ-las,
Ao beijar a esmola que me deres.

Podes amar até outras mulheres!
– Hei de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor sĂł para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!

Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei de poisar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.

E depois… Ah! depois de dores tamanhas,
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!

Os Versos que Te Fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

TĂŞm dolĂŞncias de veludos caros,
SĂŁo como sedas brancas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu nĂŁo tos digo ainda…
Que a boca da mulher Ă© sempre linda
Se dentro guarda um verso que nĂŁo diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E, nesse beijo, Amor, que eu te nĂŁo dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

TĂ©dio

Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela Ă©! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
NĂŁo tenho um gesto, ou um olhar sequer…

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que Ă© que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que Ă© que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E Ă© tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plácido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…

A Um Livro

No silĂŞncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste Ă© meu, e salma
As orações que choro e rio e canto!…

Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!… Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!…