Sonetos sobre Palavras de Florbela Espanca

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Sonetos de palavras de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Soror Saudade

A Américo Durão

IrmĂŁ, Soror Saudade, me chamaste…
E na minh’alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do prĂłprio sonho que sonhaste.

Numa tarde de Outono o murmuraste;
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;
Jamais me hĂŁo-de chamar outro mais doce;
Com ele bem mais triste me tornaste…

E baixinho, na alma de minh’alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,

Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “IrmĂŁ, Soror Saudade”…

O Que Alguém Disse

“Refugia-te na Arte” diz-me AlguĂ©m
“Eleva-te num vĂ´o espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

SĂł Ă© grande e perfeito o que nos vem
Do que em nĂłs Ă© Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguĂ©m!”

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que Ă© triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol Ă© cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…

Crucificada

Amiga… noiva… irmĂŁ… o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei-de merecĂŞ-las,
Ao beijar a esmola que me deres.

Podes amar até outras mulheres!
– Hei de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor sĂł para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!

Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei de poisar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.

E depois… Ah! depois de dores tamanhas,
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!

Charneca Em Flor

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frĂ©mito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já nĂŁo sou, Amor, Soror Saudade…

Olhos a arder em ĂŞxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!