Sonetos sobre Desejos de Florbela Espanca

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Sonetos de desejos de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Se tu viesses ver-me…

Se tu viesses ver-me hoje Ă  tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mĂŁo na minha…

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E Ă© de seda vermelha e canta e ri

E Ă© como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…

Frieza

Os teus olhos sĂŁo frios como espadas,
E claros como os trágicos punhais;
TĂŞm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas.

Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!

Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!

Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, IrmĂŁ, amar assim!…”

O Teu Olhar

Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
CĂ©us do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde nĂŁo cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de herĂłis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a ĂŤndia, a visĂŁo do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-te tĂŁo grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…

Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
NĂŁo sei se te encontrei, se te perdi…

Que Importa?…

Eu era a desdenhosa, a indif’rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violĂŞncias de paixĂŁo
Como bate no peito Ă  outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusĂŁo
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.

Minh’alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!

Nela refresca a boca um sĂł instante…
Que importa?… Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes… quando passa?…

A Tua Voz de Primavera

Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!

Sinfonia de luz meu corpo nĂŁo repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo… olhai!
Iguala o sol que sempre Ă s ondas cai,
Sem que a visĂŁo dos poentes se complete!

Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
TĂŞm a firmeza elástica dos gamos…

Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
SĂł me exalto e sou linda para ti!

A Vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
InĂştil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria Ă© feita dum tormento,
Um riso Ă© sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusĂŁo morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nĂłs renasce
Que no mesmo momento Ă© já perdida…

Amar-te a vida inteira eu nĂŁo podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se Ă© isto a vida!…

Ser Poeta

Ser Poeta Ă© ser mais alto, Ă© ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E nĂŁo saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhĂŁs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E Ă© amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizĂŞ-lo cantando a toda gente!

A Nossa Casa

A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
ConstrĂłi-a, num instante, o meu desejo!

Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?

Sonho… que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mĂŁos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num paĂ­s de ilusĂŁo que nunca vi…
E que eu moro – tĂŁo bom! – dentro de ti
E tu, Ăł meu Amor, dentro de mim…

Falo de Ti Ă s Pedras das Estradas

Falo de ti Ă s pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo Ă s gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidĂŁo das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitĂłria,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fĂşlgidos da glĂłria,
São astros que me tombam do regaço!