Sonetos sobre Dia de Raimundo Correia

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Sonetos de dia de Raimundo Correia. Leia este e outros sonetos de Raimundo Correia em Poetris.

Nua E Crua

Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionário ardente
Quis vĂŞ-la nua um dia; e, ousadamente,
Do áureo manto despoja a divindade;

O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!

Fita-a em seguida, e atĂ´nito recua…
– Ă“ Musa! exclama entĂŁo, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!

Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tĂŁo nua?…
Ă€ nudez da Verdade quem resiste?!

Tristeza De Momo

Pela primeira vez, Ă­mpias risadas
Susta em pranto o deus da zombaria;
Chora; e vingam-se dele, nesse dia,
Os silvanos e as ninfas ultrajadas;

Trovejam bocas mil escancaradas,
Rindo; arrombam-se os diques da alegria;
E estoira descomposta vozeria
Por toda a selva, e apupos e pedradas…

Fauno, indigita; a Náiade o caçoa;
Sátiros vis, da mais indigna laia,
Zombam. Não há quem dele se condoa!

E Eco propaga a formidável vaia,
Que além por fundos boqueirões reboa
E, como um largo mar, rola e se espraia…

Beijos Do CĂ©u

Sonhei-te assim, Ăł minha amante, um dia:
– Vi-te no cĂ©u; e, anamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia…

Santos e anjos beijavam-te… Eu bem via
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o prĂłprio Onipotente,
O próprio Deus nos braços te cingia!

Nisto, o ciĂşme – fera que eu nĂŁo domo –
Despertou-me do sonho, repentino
Vi-te a dormir tĂŁo plácida a meu lado…

E beijei-te tambĂ©m, beijei-te… e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!

Anoitecer

Esbraseia o Ocidente na Agonia
O sol… Aves, em bandos destacados,
Por céus de ouro e de púrpuras raiados,
Fogem… Fecha-se a pálpebra do dia…

Delineiam-se, além, da serrania
Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia…

Um mundo de vapores no ar flutua…
Como uma informe nĂłdoa, avulta e cresce
A sombra, á proporção que a luz recua…

A natureza apática esmaece…
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trĂŞmula, trĂŞmula… Anoitece.

Ofélia

Num recesso da selva Ă­nvia e sombria,
Estrelada de flores, vicejante,
Onde um rio entre seixos, espumante,
Cursando o vale, tĂşrgido, fluĂ­a;

A coma esparsa, lĂ­vido o semblante,
Desvairados os olhos, como fria
Aparição dos túmulos, um dia
Surgiu de Hamlet a lacrimosa amante;

SĂ­mplices flores o seu porte lindo
Ornavam… como um pranto, iam caindo
As folhas de um salgueiro na corrente…

E na corrente ela também tombando,
Foi-se-lhe o corpo alvĂ­ssimo boiando
Por sobre as águas indolentemente.

Luiz Gama

A Raul Pompéia

Tantos triunfos te contando os dias,
Iam-te os dias descontando e os anos,
Quando bramavas, quando combatias
Contra os bárbaros, contra os desumanos;

Quando a alma brava e procelosa abrias
Invergável ao pulso dos tiranos,
E Ă­gnea, como os desertos africanos
Dilacerados pelas ventanias…

Contra o inimigo atroz rompeste em guerra,
Grilhões a rebentar por toda a parte,
Por toda a parte a escancarar masmorras.

Morreste!… Embalde, EscravidĂŁo! Por terra
Rolou… Morreu por nĂŁo poder matar-te!
Também não tarda muito que tu morras!

Julieta

A loura Julieta enamorada,
Triste, lânguida, pálida, abatida,
Aparece radiante na sacada
Dos raios brancos do luar ferida.

Engolfa o olhar na sombra condensada,
Perscruta, busca em torno… e na avenida
Surge Romeu; da valerosa espada
Esplende a clara lâmina polida…

Sente-se o arfar de sĂ´fregos desejos,
Estoura no ar um turbilhĂŁo de beijos,
Mas o dia reponta!… Ă“ indiscreta

Da cotovia matinal garganta!
Ă“ perigo do amor, que o amor quebranta!
Ă“ noites de Verona! Ă“ Julieta!

Ăšltimo Porto

Este o paĂ­s ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…

Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mĂŁe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.