Soneto I – Leandro E Hero
O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma nĂŁo se apaga
O fogo com que o facho se acendia.Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).Ao vĂȘ-lo pasma, e clama num transporte â
“Leandro!… Ă©s morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!Morreste!… mas… (e Ă s ondas se arrojando
Assim termina jĂĄ sorvendo a morte)
Hei de, mĂĄrtir de amor, morrer te amando.”
Sonetos Exclamativos de Laurindo Rabelo
7 resultadosSoneto V – Ă Sra. Marieta Landa
Disseste a nota amena d’alegria,
E, arrebatado entĂŁo nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh’alma aos cĂ©us subia.Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.Ăs anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e råpido transporte?!Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mĂŁos teu Porvir, teu bem, teu fado.
Soneto II – A Uma Inconstante
De uma ingrata em troféu despedaçado
Meu coração devora amor cruento,
Trocando em fero e bĂĄrbaro tormento
Quantos prazeres concedeu-me o fado.No seio d’alma, jĂĄ dilacerado,
Negras fĂșrias do bĂĄratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
De zelos negro fel envenenado.Desprezo, ingratidão, fria esquivança
Da cruel por quem morro, em tal procela
Apagaram-me a estrela da esperança.E eu (ao confesså-lo a dor me gela)
Humilhado a seus pés, minha vingança
Ă carpir, delirar, morrer por ela.
Soneto IV – A Uma Senhora
Dos meus lares, dos meus que choro ausente,
Me vieste acordar saudade Ămpia,
Tu, amada do Anjo dâHarmonia,
Que te fazes ouvir tĂŁo docemente.Do piano o teclado obediente
Ao teu tocar encheu-se de magia,
E lĂĄ dos mortos na soidĂŁo sombria
Operou-se um milagre de repente.A morte sobre a fouce, entristecida,
Amarguradas lĂĄgrimas verteu,
Talvez do fero ofĂcio arrependida!Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
E, cheio de alegria desmedida,
C’um sorriso de glĂłria um â bravo â deu.
Soneto VIII – O Tempo
Deus pede estrita conta de meu tempo,
à forçoso do tempo jå dar conta;
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bem tempo e nĂŁo foi conta.
NĂŁo quis sobrando tempo fazer conta,
Quero hoje fazer conta e falta tempo.Oh! vĂłs que tendes tempo sem ter conta
NĂŁo gasteis esse tempo em passatempo:
Cuidai enquanto Ă© tempo em fazer conta.Mas, oh! se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta,
NĂŁo choravam como eu o nĂŁo ter tempo.
Soneto VII – Ă Mesma Senhora
AlcĂone, perdido o esposo amado,
Ao céu o esposo sem cessar pedia;
Porém as ternas preces surdo ouvia
O cĂ©u, de seus amores descuidado.Em vĂŁo o pranto seu d’alma arrancado
Tenta a pedra minar da campa fria;
A morte de seu pranto escarnecia,
De seu cruel penar se ria o fado.Mas ah! â nĂŁo fora assim, se a voz tivera
TĂŁo bela, tĂŁo gentil, tĂŁo doce e clara,
Daquela que hoje neste palco impera.Se assim cantasse, o tĂșmulo abalara
Do bem querido; e, branda a morte fera,
Vivo o extinto esposo lhe entregara.
Soneto X
Vendo da peste o bĂĄrbaro flagelo
Mil vidas a ceifar a cada instante,
D’Ăfrica deixa o solo distante
E veio no Brasil curar Otelo.O semblante imposto negro-amarelo
Cresta do orgulho a chama crepitante,
Traz cheia de vidrinhos o turbante,
E buĂdo punhal por escalpelo.Homeopata Ă©, e o albergue puro
Do puro Martins busca e diz-lhe ardido:
“Doutor, eu quero ter vosso futuro.”â Bravo! grita o Martins enternecido;
Pelas cinzas de Hahnemann te juro
Que nĂŁo hĂĄs de morrer desconhecido.