LXXX
Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.Aquele mesmo objeto, que desvia
Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Toda a minha tristeza desafia.Se das flores a bela contextura
Esmalta o campo na melhor fragrância,
Para dar uma idéia da ventura;Como, ó Céus, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formosura
Da bela causadora de minha ânsia?
Sonetos sobre Gosto de Cláudio Manuel da Costa
9 resultadosLXX
Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuĂa!Já crĂ©dito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glĂłria, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que Ă© suposto.
XL
Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que nĂŁo seja funesta, triste, e escura!A apagar os incĂŞndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glĂłria infinita,
Outra igual que esperança me assegura!Já de tanto delĂrio me despeço;
Porque o meu precipĂcio encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alĂvio posso dar a meu cuidado!
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.
LXXV
Clara fonte, teu passo lisonjeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante;
Que em paga da piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da ninfa mais constante
Pude ver da fortuna a face errante
Jazer por glĂłria de um triunfo inteiro.Dura mĂŁo, inflexĂvel crueldade
Divide o laço, com que a glória, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade:E para sempre a dor ter n’alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade,
De um caduco prazer mágoa infinita.
XXXIX
Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A glĂłria, que minha alma apetecia;
E sem desconfiar da aleivosia,
Teu lisonjeiro obséquio acreditava.Eu só à minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas cenas, que entĂŁo me oferecia,
O maior gosto, o maior bem lograva;Fugiu, faltou-me o bem: já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitetura,
VĂŞ-se a ruĂna ao desengano exposta:Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formosura!
XXXVIII
Quando, formosa Nise, dividido
De teus olhos estou nesta distancia,
Pinta a saudade, à força de minha ânsia,
Toda a memĂłria do prazer perdido.Lamenta o pensamento amortecido
A tua ingrata, pérfida inconstância;
E quanto observa, é só a vil jactância
Do fado, que os troféus tem conseguido.Aonde a dita está? aonde o gosto?
Onde o contentamento? onde a alegria,
Que fecundava esse teu lindo rosto?Tudo deixei, Ăł Nise, aquele dia,
Em que deixando tudo, o meu desgosto
Somente me seguiu por companhia.
XLI
Injusto Amor, se de teu jugo isento
Eu vira respirar a liberdade,
Se eu pudesse da tua divindade
Cantar um dia alegre o vencimento;NĂŁo lograras, Amor, que o meu tormento,
VĂtima ardesse a tanta crueldade;
Nem se cobrira o campo da vaidade
Desses troféus, que paga o rendimento:Mas se fugir não pude ao golpe ativo,
Buscando por meu gosto tanto estrago,
Por que te encontro, Amor, tĂŁo vingativo?Se um tal despojo a teus altares trago,
Siga a quem te despreza, o raio esquivo;
Alente a quem te busca, o doce afago.
XLVIII
Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuĂa,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:Então é, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruĂna, o bem fingido.