XXVII
Apressa se a tocar o caminhante
O pouso, que lhe marca a luz do dia;
E da sua esperança se confia,
Que chegue a entrar no porto o navegante;Nem aquele sem termo passa avante
Na longa, duvidosa e incerta via;
Nem este atravessando a regiĂŁo fria
Vai levando sem rumo o curso errante:Depois que um breve tempo houver passado,
Um se verá sobre a segura areia,
Chegará o outro ao sĂtio desejado:Eu sĂł, tendo de penas a alma cheia,
NĂŁo tenho, que esperar; que o meu cuidado
Faz, que gire sem norte a minha idéia.
Sonetos sobre Passado de Cláudio Manuel da Costa
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MemĂłrias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!Tristes lembranças! e que em vão componho
A memĂłria da vossa sombra escura!
Que nĂ©scio em vĂłs a ponderar me ponho!Ide-vos; que em tĂŁo mĂsera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
SĂł Ă© certa a presente desventura.
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.