Sonetos sobre Estado de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de estado de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

L

MemĂłrias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.

Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!

Tristes lembranças! e que em vão componho
A memĂłria da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!

Ide-vos; que em tĂŁo mĂ­sera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
SĂł Ă© certa a presente desventura.

XLIII

Quem Ă©s tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma vĂ­bora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!

NĂŁo era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
NĂŁo era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:

Pois como no letargo a fantasia
TĂŁo cruel ma pintou, tĂŁo inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.

Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor nĂŁo deu favores um sĂł dia,
Que a sombra de um tormento os nĂŁo quebrante.

XXXV

Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.

Por mais, que gire o espĂ­rito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.

NĂŁo basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:

E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio Ă© do CĂ©u, a mĂŁo de Jove.

XXIV

Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:

Assim na agitação de meu cuidado
De um contĂ­nuo delĂ­rio esta alma presa,
Quando Ă© tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.

Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:

Que importa pois, que a idéia alívios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.

XXXII

Se os poucos dias, que vivi contente,
Foram bastantes para o meu cuidado,
Que pode vir a um pobre desgraçado,
Que a idéia de seu mal não acrescente!

Aquele mesmo bem, que me consente,
Talvez propĂ­cio, meu tirano fado,
Esse mesmo me diz, que o meu estado
Se há de mudar em outro diferente.

Leve pois a fortuna os seus favores;
Eu os desprezo já; porque é loucura
Comprar a tanto preço as minhas dores:

Se quer, que me nĂŁo queixe, a sorte escura,
Ou saiba ser mais firme nos rigores,
Ou saiba ser constante na brandura.

LXVI

NĂŁo te assuste o prodĂ­gio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.

Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pĂ´s: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.

Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:

Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres Ă  minha sepultura.