Sonetos sobre Tristes de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de tristes de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LV

Em profundo silêncio já descansa
Todo o mortal; e a minha triste idéia
Se estende, se dilata, se recreia
Pelo espaçoso campo da lembrança.

Fatiga-se, prossegue, em vĂŁo se cansa;
E neste vário giro, em que se enleia,
Ao duvidoso passo já receia,
Que lhe possa faltar a segurança.

Que diferente tudo está notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando!

Este nĂŁo Ă© o templo (eu o duvido)
Assim o afirma, assim o está mostrando:
Ou morreu Nise, ou este nĂŁo Ă© Fido.

LXX

Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuĂ­a!

Já crédito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.

Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glĂłria, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:

Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que Ă© suposto.

XL

Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que nĂŁo seja funesta, triste, e escura!

A apagar os incĂŞndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glĂłria infinita,
Outra igual que esperança me assegura!

Já de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipĂ­cio encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.

Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alĂ­vio posso dar a meu cuidado!

LXXIX

Entre este álamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.

Na líquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:

Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?

C

Musas, canoras musas, este canto
VĂłs me inspirastes, vĂłs meu tenro alento
Erguestes brandamente Ă quele assento
Que tanto, Ăł musas, prezo, adoro tanto.

Lágrimas tristes são, mágoas, e pranto,
Tudo o que entoa o mĂşsico instrumento;
Mas se o favor me dais, ao mundo atento
Em assunto maior farei espanto.

Se em campos nĂŁo pisados algum dia
Entra a ninfa, o pastor, a ovelha, o touro,
Efeitos sĂŁo da vossa melodia;

Que muito, Ăł musas, pois, que em fausto agouro
Cresçam do pátrio rio à margem fria
A imarcescĂ­vel hera, o verde louro!

L

MemĂłrias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.

Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!

Tristes lembranças! e que em vão componho
A memĂłria da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!

Ide-vos; que em tĂŁo mĂ­sera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
SĂł Ă© certa a presente desventura.

LXIX

Se Ă  memĂłria trouxeres algum dia,
BelĂ­ssima tirana, Ă­dolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;

Confunda-te a soberba tirania,
O Ăłdio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.

E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.

Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!

XXIII

Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:

Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martĂ­rio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.

Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor nĂŁo me assusta, nem me cansa:

Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.

XXXIV

Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!

Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.

Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.

NĂŁo vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.

XVII

Deixa, que por um pouco aquele monte
Escute a glĂłria, que a meu peito assiste:
Porque nem sempre lastimoso, e triste
Hei de chorar Ă  margem desta fonte.

Agora, que nem sombra há no horizonte,
Nem o álamo ao zéfiro resiste,
Aquela hora ditosa, em que me viste
Na posse de meu bem, deixa, que conte.

Mas que modo, que acento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil pastora,
Para explicar afetos de alegria!

Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
SĂł costumada Ă s vozes da agonia,
A frase do prazer ainda ignora!

XVIII

Aquela cinta azul, que o céu estende
A nossa mĂŁo esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um nĂŁo sei quĂŞ, que nĂŁo se entende;

Levantar me de um sonho, quando atende
O meu ouvido um mĂ­sero conflito,
A tempo, que o voraz lobo maldito
A minha ovelha mais mimosa ofende;

Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre ansioso;

Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Mas de tĂŁo triste agouro cuidadoso
SĂł me lembro de Nise, e de mais nada.

XXXV

Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.

Por mais, que gire o espĂ­rito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.

NĂŁo basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:

E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio Ă© do CĂ©u, a mĂŁo de Jove.

LIX

Lembrado estou, Ăł penhas, que algum dia,
Na muda solidĂŁo deste arvoredo,
Comuniquei convosco o meu segredo,
E apenas brando o zéfiro me ouvia.

Com lágrimas meu peito enternecia
A dureza fatal deste rochedo,
E sobre ele uma tarde triste, e quĂŞdo
A causa de meu mal eu escrevia.

Agora torno a ver, se a pedra dura
Conserva ainda intacta essa memĂłria,
Que debuxou entĂŁo minha escultura.

Que vejo! esta Ă© a cifra: triste glĂłria!
Para ser mais cruel a desventura,
Se fará imortal a minha história.

XLIV

Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsĂ­ssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!

Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!

Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos nĂŁo profane da beleza!

Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto nĂŁo mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.

LXXVIII

Campos, que ao respirar meu triste peito
Murcha, e seca tornais vossa verdura,
Não vos assuste a pálida figura,
Com que o meu rosto vedes tĂŁo desfeito.

VĂłs me vistes um dia o doce efeito
Cantar do Deus de Amor, e da ventura;
Isso já se acabou; nada já dura;
Que tudo à vil desgraça está sujeito.

Tudo se muda enfim: nada há, que seja
De tão nobre, tão firme segurança,
Que nĂŁo encontre o fado, o tempo, a inveja.

Esta ordem natural a tudo alcança;
E se alguém um prodígio ver deseja,
Veja meu mal, que só não tem mudança.

LXIV

Que tarde nasce o Sol, que vagaroso!
Parece, que se cansa, de que a um triste
Haja de aparecer: quanto resiste
A seu raio este sĂ­tio tenebroso!

NĂŁo pode ser, que o giro luminoso
Tanto tempo detenha: se persiste
Acaso o meu delĂ­rio! se me assiste
Ainda aquele humor tĂŁo venenoso!

Aquela porta ali se está cerrando;
Dela sai um pastor: outro assobia,
E o gado para o monte vai chamando.

Ora não há mais louca fantasia!
Mas quem anda, como eu, assim penando,
NĂŁo sabe, quando Ă© noite, ou quando Ă© dia.

XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gĂŞnio esquivo,
TĂŁo longe dela estou, e estou tĂŁo perto.

XX

Ai de mim! como estou tĂŁo descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo o trasmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!

Ouço o rumor que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do pastor; e desconheço
NĂŁo menos, do que ao dono, o mesmo gado:

Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver, quanto em meu dano se executa.

Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta;
Que triste alĂ­vio! ah infeliz Daliso!

LI

Adeus, Ă­dolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂ­sera publica,
Que tens barbaramente conseguido.

Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.

E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;

Na imensa confusĂŁo de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂ­tima de uma alma em teus altares.

LXXXI

Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem que adoro;
Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.

Do fundo para ouvir-me vem chegando
Das claras hamadrĂ­ades o coro;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estĂŁo chorando.

Mas que peito há de haver tão desabrido,
Que fuja Ă  minha dor! que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido!

Igual caso nĂŁo temo, que se conte;
Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.