Sonetos sobre Amor de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de amor de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LIV

Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incêndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cítara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.

Se vós, glórias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
Não ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.

Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tão livre de vós, que da saudade
Não receia abrasar-se no tormento.

Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.

XIV

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

VIII

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

LXXI

Eu cantei, não o nego, eu algum dia
Cantei do injusto amor o vencimento;
Sem saber, que o veneno mais violento
Nas doces expressões falso encobria.

Que amor era benigno, eu persuadia
A qualquer coração de amor isento;
Inda agora de amor cantara atento,
Se lhe não conhecera a aleivosia.

Ninguém de amor se fie: agora canto
Somente os seus enganos; porque sinto,
Que me tem destinado estrago tanto.

De seu favor hoje as quimeras pinto:
Amor de uma alma é pesaroso encanto;
Amor de um coração é labirinto.

XL

Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que não seja funesta, triste, e escura!

A apagar os incêndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glória infinita,
Outra igual que esperança me assegura!

Já de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipício encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.

Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alívio posso dar a meu cuidado!

LXIX

Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;

Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.

E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.

Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!

XCVIII

Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigre por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.

XXXIV

Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memória
Ficasse para sempre consumida!

Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.

Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.

Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.

XLV

A cada instante, Amor, a cada instante
No duvidoso mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante.

Por entre a sombra fúnebre, e distante
Rompe o vulto do alivio mal formado;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.

Corre o desejo ao vê-lo descoberto;
Logo aos olhos mais longe se afigura,
O que se imaginava muito perto.

Faz-se parcial da dita a desventura;
Porque nem permanece o dano certo,
Nem a glória tão pouco está segura

XLIV

Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsíssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!

Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!

Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos não profane da beleza!

Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto não mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.

XXXIX

Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A glória, que minha alma apetecia;
E sem desconfiar da aleivosia,
Teu lisonjeiro obséquio acreditava.

Eu só à minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas cenas, que então me oferecia,
O maior gosto, o maior bem lograva;

Fugiu, faltou-me o bem: já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitetura,
Vê-se a ruína ao desengano exposta:

Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formosura!

LXXVII

Não há no mundo fé, não há lealdade;
Tudo é, ó Fábio, torpe hipocrisia;
Fingido trato, infame aleivosia
Rodeiam sempre a cândida amizade.

Veste o engano o aspecto da verdade;
Porque melhor o vício se avalia:
Porém do tempo a mísera porfia,
Duro fiscal, lhe mostra a falsidade.

Se talvez descobrir-se se procura
Esta de amor fantástica aparência,
É como à luz do Sol a sombra escura:

Mas que muito, se mostra a experiência,
Que da amizade a torre mais segura
Tem a base maior na dependência!

XVI

Toda a mortal fadiga adormecia
No silêncio, que a noite convidava;
Nada o sono suavíssimo alterava
Na muda confusão da sombra fria:

Só Fido, que de amor por Lise ardia,
No sossego maior não repousava;
Sentindo o mal, com lágrimas culpava
A sorte; porque dela se partia.

Vê Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecê-na é inútil arte;
Fazer o que ela quer, é rigor forte:

Mas de modo entre as penas se reparte;
Que à Lise rende a alma, a vida à morte:
Por que uma parte alente a outra parte.

LVI

Tu, ninfa, quando eu menos penetrado
Das violências de Amor vivia isento,
Propondo-te então bela a meu tormento,
Foste doce ocasião de meu cuidado.

Roubaste o meu sossego, um doce agrado,
Um gesto lindo, um brando acolhimento
Foram somente o único instrumento,
Com que deixaste o triunfo assegurado.

Já não espero ter felicidade,
Salvo se for aquela, que confio,
Por amar-te, apesar dessa impiedade.

Em prêmio dos suspiros, que te envio,
Ou modera o rigor da crueldade,
Ou torna-me outra vez meu alvedrio.

LXXVIII

Campos, que ao respirar meu triste peito
Murcha, e seca tornais vossa verdura,
Não vos assuste a pálida figura,
Com que o meu rosto vedes tão desfeito.

Vós me vistes um dia o doce efeito
Cantar do Deus de Amor, e da ventura;
Isso já se acabou; nada já dura;
Que tudo à vil desgraça está sujeito.

Tudo se muda enfim: nada há, que seja
De tão nobre, tão firme segurança,
Que não encontre o fado, o tempo, a inveja.

Esta ordem natural a tudo alcança;
E se alguém um prodígio ver deseja,
Veja meu mal, que só não tem mudança.

XXXVI

Estes braços, Amor, com quanta glória
Foram trono feliz na formosura!
Mas este coração com que ternura
Hoje chora infeliz esta memória!

Quanto vês, é troféu de uma vitória,
Que o destino em seu templo dependura:
De uma dor esta estampa é só figura,
Na fé oculta, no pesar notória.

Saiba o mundo de teu funesto enredo;
Por que desde hoje um coração amante
De adorar teus altares tenha medo:

Mas que empreendo, se ao passo, que constante
Vou a romper a fé do meu segredo,
Não há, quem acredite um delirante!

LIII

Ou já sobre o cajado te reclines,
Venturoso pastor, ou já tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.

Lá te quero seguir, onde examines
Mais vivamente um coração tão brando;
Que gosta só de ouvir-te, ainda quando
Mais sem razão me acuses, mais crimines.

Que te fiz eu, pastor ? em que condenas
Minha sincera fé, meu amor puro? A
s provas, que te dei, serão pequenas?

Queres ver, que esse monte áspero, e duro
Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.

XLI

Injusto Amor, se de teu jugo isento
Eu vira respirar a liberdade,
Se eu pudesse da tua divindade
Cantar um dia alegre o vencimento;

Não lograras, Amor, que o meu tormento,
Vítima ardesse a tanta crueldade;
Nem se cobrira o campo da vaidade
Desses troféus, que paga o rendimento:

Mas se fugir não pude ao golpe ativo,
Buscando por meu gosto tanto estrago,
Por que te encontro, Amor, tão vingativo?

Se um tal despojo a teus altares trago,
Siga a quem te despreza, o raio esquivo;
Alente a quem te busca, o doce afago.

IX

Pouco importa, formosa Daliana,
Que fugindo de ouvir me, o fuso tomes;
Se quanto mais me afliges, e consomes,
Tanto te adoro mais, bela serrana.

Ou já fujas do abrigo da cabana,
Ou sobre os altos montes mais te assomes,
Faremos imortais os nossos nomes,
Eu por ser firme, tu por ser tirana.

Um obséquio, que foi de amor rendido,
Bem pode ser, pastora, desprezado;
Mas nunca se verá desvanecido:

Sim, que para lisonja do cuidado,
Testemunhas serão de meu gemido
Este monte, este vale, aquele prado.

XI

Formosa é Daliana; o seu cabelo,
A testa, a sobrancelha é peregrina;
Mas nada tem, que ver coa bela Eulina,
Que é todo o meu amor, o meu desvê-lo:

Parece escura a nove em paralelo
Da sua branca face; onde a bonina
As cores misturou na cor mais fina,
Que faz sobressair seu rosto belo.

Tanto os seus lindos olhos enamoram,
Que arrebatados, como em doce encanto,
Os que a chegam a ver, todos a adoram.

Se alguém disser, que a engrandeço tanto
Veia, para desculpa dos que choram
Veja a Eulina; e então suspenda o pranto.