VIII
Este Ă© o rio, a montanha Ă© esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
SĂŁo estes inda os mesmos arvoredos;
Esta Ă© a mesma rĂşstica floresta.Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavĂssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruĂdo
Vem as mortas espécies despertando.
Sonetos sobre Horror de Cláudio Manuel da Costa
5 resultadosXCIX
Parece, ou eu me engano, que esta fonte
De repente o licor deixou turvado;
O céu, que estava limpo, e azulado,
Se vai escurecendo no horizonte:Por que nĂŁo haja horror, que nĂŁo aponte
O agouro funestĂssimo, e pesado,
Até de susto já não pasta o gado;
Nem uma voz se escuta em todo o monte.Um raio de improviso na celeste
RegiĂŁo rebentou; um branco lĂrio
Da cor das violetas se reveste;Será delĂrio! nĂŁo, nĂŁo Ă© delĂrio.
Que Ă© isto, pastor meu? que anĂşncio Ă© este?
Morreu Nise (ai de mim!) tudo Ă© martĂrio.
LXVIII
Apenas rebentava no oriente
A clara luz da aurora, quando Fido,
O repouso deixando aborrecido,
Se punha a contemplar no mal, que sente.VĂŞ a nuvem, que foge ao transparente
AnĂşncio do crepĂşsculo luzido;
E vĂŞ de todo em riso convertido
O horror, que dissipara o raio ardente.Por que (diz) esta sorte, que se alcança
Entre a sombra, e a luz, nĂŁo sinto agora
No mal, que me atormenta, e que me cansa?Aqui toda a tristeza se melhora:
Mas eu sem o prazer de uma esperança
Passo o ano, e o mĂŞs, o dia, a hora.
XXIV
Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:Assim na agitação de meu cuidado
De um contĂnuo delĂrio esta alma presa,
Quando Ă© tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:Que importa pois, que a idĂ©ia alĂvios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.
XXVI
NĂŁo vĂŞs, Nise, este vento desabrido,
Que arranca os duros troncos? NĂŁo vĂŞs esta,
Que vem cobrindo o céu, sombra funesta,
Entre o horror de um relâmpago incendido?Não vês a cada instante o ar partido
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta,
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta,
O raio a cada instante despedido.Ah! não temas o estrago, que ameaça
A tormenta fatal; que o Céu destina
Vejas mais feia, mais cruel desgraça:Rasga o meu peito, já que és tão ferina;
Verás a tempestade, que em mim passa;
Conhecerás entĂŁo, o que Ă© ruĂna.