Sonetos sobre Fantasia de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de fantasia de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LXX

Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuĂ­a!

Já crédito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.

Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glĂłria, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:

Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que Ă© suposto.

LX

Valha-te Deus, cansada fantasia!
Que mais queres de mim? que mais pretendes?
Se quando na esperança mais te acendes,
Se desengana mais tua porfia!

Vagando regiões de dia em dia,
Novas conquistas, e troféus empreendes:
Ah que conheces mal, que mal entendes,
Onde chega do fado a tirania!

Trata de acomodar-te ao movimento
Dessa roda volĂşvel, e descansa
Sobre tĂŁo fatigado pensamento.

E se inda crês no rosto da esperança,
Examina por dentro o fingimento;
E verás tempestade o que é bonança.

XLII

Morfeu doces cadeias estendia,
Com que os cansados membros me enlaçava;
E quanto mal o coração passava,
Em sonhos me debuxa a fantasia.

Lise presente vi, Lise, que um dia
Todo o meu pensamento arrebatava,
Lise, que na minha alma impressa estava,
Bem apesar da sua tirania.

Corro a prendê-la em amorosos laços
Buscando a sombra, que apertar intento;
Nada vejo (ai de mim!) perco os meus passos.

EntĂŁo mais acredito o fingimento:
Que ao ver, que Lise foge de meus braços,
A crĂŞ pelo costume o pensamento.

XXIV

Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:

Assim na agitação de meu cuidado
De um contĂ­nuo delĂ­rio esta alma presa,
Quando Ă© tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.

Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:

Que importa pois, que a idéia alívios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.

LXIV

Que tarde nasce o Sol, que vagaroso!
Parece, que se cansa, de que a um triste
Haja de aparecer: quanto resiste
A seu raio este sĂ­tio tenebroso!

NĂŁo pode ser, que o giro luminoso
Tanto tempo detenha: se persiste
Acaso o meu delĂ­rio! se me assiste
Ainda aquele humor tĂŁo venenoso!

Aquela porta ali se está cerrando;
Dela sai um pastor: outro assobia,
E o gado para o monte vai chamando.

Ora não há mais louca fantasia!
Mas quem anda, como eu, assim penando,
NĂŁo sabe, quando Ă© noite, ou quando Ă© dia.

XXX

NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mísera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.

Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂ­vio pode dar me esta porfia!

Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:

Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.

LXII

Torno a ver-vos, Ăł montes; o destino
Aqui me torna a pĂ´r nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da CĂ´rte rico, e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os mĂ­seros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;

Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.