Sonetos sobre Ricos de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de ricos de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

XIV

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondĂŞncia,
Ou desconhece o rosto da violĂŞncia,
Ou do retiro a paz nĂŁo tem provado.

Que bem Ă© ver nos campos transladado
No gĂŞnio do pastor, o da inocĂŞncia!
E que mal Ă© no trato, e na aparĂŞncia
Ver sempre o cortesĂŁo dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um sĂł trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, Ă© variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

XXIV

Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:

Assim na agitação de meu cuidado
De um contĂ­nuo delĂ­rio esta alma presa,
Quando Ă© tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.

Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:

Que importa pois, que a idéia alívios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.

LI

Adeus, Ă­dolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂ­sera publica,
Que tens barbaramente conseguido.

Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.

E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;

Na imensa confusĂŁo de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂ­tima de uma alma em teus altares.

LXII

Torno a ver-vos, Ăł montes; o destino
Aqui me torna a pĂ´r nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da CĂ´rte rico, e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os mĂ­seros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;

Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.