Sonetos sobre Acaso de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de acaso de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LXXIV

Sombrio bosque, sĂ­tio destinado
À habitação de um infeliz amante,
Onde chorando a mágoa penetrante
Possa desafogar o seu cuidado;

Tudo quieto está, tudo calado;
Não há fera, que grite; ave, que cante;
Se acaso saberás, que tens diante
Fido, aquele pastor desesperado!

Escuta o caso seu: mas nĂŁo se atreve
A erguer a voz; aqui te deixa escrito
No tronco desta faia em cifra breve:

Mudou-se aquele bem; hoje Ă© delito
Lembrar-me de Marfisa; era mui leve:
Não há mais, que atender; tudo está dito.

LXIV

Que tarde nasce o Sol, que vagaroso!
Parece, que se cansa, de que a um triste
Haja de aparecer: quanto resiste
A seu raio este sĂ­tio tenebroso!

NĂŁo pode ser, que o giro luminoso
Tanto tempo detenha: se persiste
Acaso o meu delĂ­rio! se me assiste
Ainda aquele humor tĂŁo venenoso!

Aquela porta ali se está cerrando;
Dela sai um pastor: outro assobia,
E o gado para o monte vai chamando.

Ora não há mais louca fantasia!
Mas quem anda, como eu, assim penando,
NĂŁo sabe, quando Ă© noite, ou quando Ă© dia.

LI

Adeus, Ă­dolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂ­sera publica,
Que tens barbaramente conseguido.

Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.

E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;

Na imensa confusĂŁo de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂ­tima de uma alma em teus altares.