Os Vestidos Elisa Revolvia
Os vestidos Elisa revolvia
que lh’Eneias deixara por memĂłria:
doces despojos da passada glĂłria,
doces, quando seu Fado o consentia.Entr’eles a fermosa espada via
que instrumento foi da triste histĂłria;
e, como quem de si tinha a vitĂłria,
falando sĂł com ela, assi dezia:-Fermosa e nova espada, se ficaste
sĂł para executares os enganos
de quem te quis deixar, em minha vida,Sabe que tu comigo t’enganaste;
que, para me tirar de tantos danos,
sobeja me a tristeza da partida.
CitaçÔes sobre Fados
125 resultadosEnquanto outros Combatem
Empunhasse eu a espada dos valentes!
Impelisse-me a acção, embriagado,
Por esses campos onde a Morte e o Fado
Dão a lei aos reis trémulos e ås gentes!Respirariam meus pulmÔes contentes
O ar de fogo do circo ensanguentado…
Ou caĂra radioso, amortalhado
Na fulva luz dos glĂĄdios reluzentes!JĂĄ nĂŁo veria dissipar-se a aurora
De meus inĂșteis anos, sem uma hora
Viver mais que de sonhos e ansiedade!JĂĄ nĂŁo veria em minhas mĂŁos piedosas
Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas
D’esta pĂĄlida e estĂ©ril mocidade!
Ăs mĂĄs notĂcias o fado dĂĄ asas, e elas voam velozes.
Ai de Mim!
Venho, torna-me velho esta lembrança!
D’um enterro d’anjinho, nobre e puro:
Infancia, era este o nome da criança
Que, hoje, dorme entre os bichos, lĂĄ no escuro…Trez anjos, a Chymera, o Amor, a Esperança
Acompanharam-n’o ao jazigo obscuro,
E recebeu, segundo a velha usança,
A chave do caixĂŁo o meu Futuro.Hoje, ambulante e abandonada Ermida,
Leva-me o fado, å bruta, aos empurrÔes,
VĂĄ para a frente! Marcha! Ă Vida! Ă Vida!Que hei-de fazer, Senhor! o qu’Ă© que espera
Um bacharel formado em illuzÔes
Pela Universidade da Chymera?
Ă Trevas, que Enlutais a Natureza
Ă trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim PlutĂŁo se goza,
NĂŁo aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que voz minha tristeza.Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.Volvei, pois, sombras vĂŁs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis Ă piedade o mesmo Inferno.
O Raio Cristalino S’estendia
O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lĂĄgrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no Céu, assi dezia:-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂŒa outra pastora.
Morte, JuĂzo, Inferno e ParaĂso
Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhÔes adoro e beijo.Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo sĂł meu sustento os meus cuidados;E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, JuĂzo, Inferno e ParaĂso.
Soneto VII – Ă Mesma Senhora
AlcĂone, perdido o esposo amado,
Ao céu o esposo sem cessar pedia;
Porém as ternas preces surdo ouvia
O cĂ©u, de seus amores descuidado.Em vĂŁo o pranto seu d’alma arrancado
Tenta a pedra minar da campa fria;
A morte de seu pranto escarnecia,
De seu cruel penar se ria o fado.Mas ah! â nĂŁo fora assim, se a voz tivera
TĂŁo bela, tĂŁo gentil, tĂŁo doce e clara,
Daquela que hoje neste palco impera.Se assim cantasse, o tĂșmulo abalara
Do bem querido; e, branda a morte fera,
Vivo o extinto esposo lhe entregara.
SolilĂłquio
JĂĄ que o sol pouco a pouco se desmaia
E meu mal cada vez mais se desvela,
Enquanto a pena, a Ăąnsia, a mĂĄgoa vela,
Quero aqui estar sozinho nesta praia.Que bravo o mar se vĂȘ! Como se ensaia
Na fĂșria e contra os ares se rebela!
Como se enrola! Como se encapela!
Parece quer sair da sua raia.Mas tambĂ©m que inflexĂvel, que constante
Aquela penha estå à força dura
De tanto assalto e horror perseverante!Ă empolado mar, penha segura,
Sois a imagem mais prĂłpria e semelhante
De meu fado e da minha desventura.
A Negra FĂșria CiĂșme
Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fĂșria CiĂșme.Sobre um sĂłlio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fĂșria CiĂșme.Crespas vĂboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fĂșria CiĂșme.Arrancando Ă Morte a fouce
De buĂdo, ervado gume,
Vem retalhar coraçÔes
A negra fĂșria CiĂșme.Ao cruel sĂłcio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fĂșria CiĂșme.Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrĂvel dos monstros,
A negra fĂșria CiĂșme.Amor inda Ă© mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fĂșria CiĂșme.Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao ĂĄureo cume,
Porém de lå nos arroja
A negra fĂșria CiĂșme.Do fĂ©rreo cĂĄlix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fĂșria CiĂșme.
Virtude e Pecado sĂŁo Inatos
Nenhum prĂ©mio certo tem a virtude, nenhum castigo certo o pecado. Nem seria justo que houvesse tal prĂ©mio ou tal castigo. Virtude ou pecado sĂŁo manifestaçÔes inevitĂĄveis de organismos condenados a um ou a outro, servindo a pena de serem bons ou a pena de serem maus. Por isso todas as religiĂ”es colocam as recompensas e os castigos, merecidos por quem, nada sendo nem podendo, nada pĂŽde merecer, em outros mundos, de que nenhuma ciĂȘncia pode dar notĂcia, de que nenhuma fĂ© pode transmitir a visĂŁo. Abdiquemos, pois, de toda a crença sincera, como de toda a preocupação de influir em outrem.
A vida, disse Gabriel Tarde, Ă© a busca do impossĂvel atravĂ©s do inĂștil. Busquemos sempre o impossĂvel, porque tal Ă© o nosso fado; busquemo-lo atravĂ©s do inĂștil, porque nĂŁo passa caminho por outro ponto; ascendamos, porĂ©m, Ă consciĂȘncia de que nada buscamos que possa obter-se, de que por nada passamos que mereça um carinho ou uma saudade.
Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender, disse o escolista. Compreendamos, compreendamos sempre, e façamos por tecer astuciosamente capelas ou grinaldas que hão-de murchar também, as flores espectrais dessa compreensão.
Soneto III – A Um Infeliz
Geme, geme, mortal infortunado,
Ă fado teu gemer continuamente:
Perante as leis do Fado Ă©s delinqĂŒente,
Sempre tirano algoz terĂĄs no Fado.Mas para nĂŁo ser mais envenenado
O fel que essa alma bebe, e o mal que sente,
NĂŁo te iluda o falaz riso aparente
De um futuro de rosas coroado.Só males o presente te afiança:
Encrustado de vermes charco imundo
Se te volve o passado na lembrança.Busca, pois, o da morte ermo profundo:
Despedaça a grinalda da esperança:
Crava os olhos na campa, e deixa o mundo.
Apenas Vi Do Dia A Luz Brilhante
Apenas vi do dia a luz brilhante
LĂĄ de TĂșbal no empĂłrio celebrado,
Em sanguĂneo carĂĄcter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mĂŁe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmĂŁos e do pai me pĂŽs distante.Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pĂĄtria, longe da ventura,
Minhas faces com lĂĄgrimas inundo.E enquanto insana multidĂŁo procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.
LXXVIII
Campos, que ao respirar meu triste peito
Murcha, e seca tornais vossa verdura,
NĂŁo vos assuste a pĂĄlida figura,
Com que o meu rosto vedes tĂŁo desfeito.VĂłs me vistes um dia o doce efeito
Cantar do Deus de Amor, e da ventura;
Isso jĂĄ se acabou; nada jĂĄ dura;
Que tudo à vil desgraça estå sujeito.Tudo se muda enfim: nada hå, que seja
De tão nobre, tão firme segurança,
Que não encontre o fado, o tempo, a inveja.Esta ordem natural a tudo alcança;
E se alguĂ©m um prodĂgio ver deseja,
Veja meu mal, que só não tem mudança.
XXXVIII
Quando, formosa Nise, dividido
De teus olhos estou nesta distancia,
Pinta a saudade, à força de minha ùnsia,
Toda a memĂłria do prazer perdido.Lamenta o pensamento amortecido
A tua ingrata, pérfida inconstùncia;
E quanto observa, Ă© sĂł a vil jactĂąncia
Do fado, que os troféus tem conseguido.Aonde a dita estå? aonde o gosto?
Onde o contentamento? onde a alegria,
Que fecundava esse teu lindo rosto?Tudo deixei, Ăł Nise, aquele dia,
Em que deixando tudo, o meu desgosto
Somente me seguiu por companhia.
Vem Sentar-te Comigo, LĂdia, Ă Beira do Rio
Vem sentar-te comigo, LĂdia, Ă beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e nĂŁo fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.Desenlacemos as mĂŁos, porque nĂŁo vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nĂŁo gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.Sem amores, nem ódios, nem paixÔes que levantam a voz,
Nem invejas que dĂŁo movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quisĂ©ssemos, trocar beijos e abraços e carĂcias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento â
Este momento em que sossegadamente nĂŁo cremos em nada,
Um bigode Ă© muito mais do que uma pilosidade: Ă© uma metafĂsica. Vem acompanhado de conversas sobre a necessidade de estudar para ser alguĂ©m na vida, a utilidade de amortizar o crĂ©dito Ă habitação, a urgĂȘncia de substituir as velas do carro, a saudade de quando o fado era o fado, a rĂĄdio era a rĂĄdio e a AmĂĄlia Rodrigues cantava o fado na rĂĄdio, tanto na Emissora Nacional como na Voz de Lisboa.
Tirano Deus Cupido
Que suspensĂŁo, que enleio, que cuidado
Ă este meu, tirano deus Cupido?
Pois tirando-me enfim todo o sentido
Me deixa o sentimento duplicado.Absorta no rigor de um duro fado,
Tanto de meus sentidos me divido,
Que tenho sĂł de vida o bem sentido
E tenho jĂĄ de morte o mal logrado.Enlevo-me no dano que me ofende,
Suspendo-me na causa de meu pranto
Mas meu mal (ai de mim!) nĂŁo se suspende.Ă cesse, cesse, amor, tĂŁo raro encanto
Que para quem de ti nĂŁo se defende
Basta menos rigor, nĂŁo rigor tanto.
Destino
Quem disse Ă estrela o caminho
Que ela hå-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como Ă© que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Florece!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se Ă flor branca ou Ă vermelha
O seu mel hĂĄ-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem…
Ai!, não mo disse ninguém.Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino .
Vim cumprir o meu destino…
Vim, que em ti sĂł sei viver,
SĂł por ti posso morrer.
Eu Vi Dos PĂłlos O Gigante Alado
Eu vi dos pĂłlos o gigante alado,
Sobre um montĂŁo de pĂĄlidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcÔes ariscos,
Devorando em silĂȘncio a mĂŁo do fado!Quatro fatias de tufĂŁo gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,
Campeava um sofisma ensangĂŒentado!â “Quem Ă©s, que assim me cercas de episĂłdios?”
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovĂ”es serĂłdios.â “Eu sou” â me disse, â “aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfĂșreos Ăłdios
Nas trevas sepultei de um solecismo…”