A Vida em Conformidade com Princípios mais Elevados
Se a pessoa der ouvidos às subtis mas constantes sugestões do seu espírito, sem dúvida autênticas, não vê a que extremos, e até loucura, ele pode levá-la; contudo, por aí envereda o seu caminho à medida que cresce em resolução e fé. A mais leve objecção segura que um homem sadio fizer, com o tempo prevalecerá sobre os argumentos e costumes da humanidade. Nenhum homem jamais seguiu a sua índole a ponto de esta o extraviar. Embora o resultado fosse fraqueza física, ainda assim talvez ninguém pudesse dizer que as consequências eram lamentáveis, já que representariam a vida em conformidade com princípios mais elevados. Se o dia e a noite são de tal natureza que vós os saudais com alegria, se a vida emite uma fragrância de flores e ervas aromáticas e se torna mais elástica, mais cintilante e mais imortal – aí está o vosso êxito.
A natureza inteira é a vossa congratulação e tendes motivos terrenos para bendizer-vos. Os maiores lucros e valores estão ainda mais longe de serem apreciados. Chegamos facilmente a duvidar de que existam. Logo os esquecemos. Constituem, entretanto, a realidade mais elevada.
Talvez os factos mais estarrecedores e verdadeiros nunca sejam comunicados de homem a homem.
Passagens sobre Costumes
233 resultadosO Prazer no Costume
Uma importante variedade do prazer e, com isso, fonte da moralidade, provém do hábito. O usual faz-se mais facilmente, melhor, portanto, com mais agrado, sente-se nisso um prazer e sabe-se, por experiência, que o habitual deu bom resultado, daí é útil; um costume, com o qual se pode viver, está provado que é salutar, proveitoso, ao contrário de todas as tentativas novas, ainda não comprovadas. O costume é, por conseguinte, a união do agradável e do útil; além disso, não exige reflexão. Assim que o homem pode exercer coacção, exerce-a para impor e introduzir os seus costumes, pois para ele, eles são a comprovada sabedoria prática. De igual modo, uma comunidade de indivíduos obriga cada um deles ao mesmo costume.
Aqui está a conclusão errada: porque uma pessoa se sente bem com um costume ou, pelo menos, porque por intermédio do mesmo assegura a sua existência, então esse costume é necessário, pois passa por ser a única possibilidade de uma pessoa se conseguir sentir bem; o agrado da vida parece emanar exclusivamente dele. Esta concepção do habitual como uma condição da existência é aplicada até aos mais pequenos pormenores do costume: dado que o conhecimento da verdadeira causalidade é muito escasso entre os povos e as civilizações que se encontram a um nível baixo,
Qualquer revolução que não se realize dentro dos costumes e das ideias fracassa.
Moralidade e Felicidade
A felicidade é o estado em que se encontra no mundo um ser racional para quem, em toda a sua existência, tudo decorre conforme o seu desejo e a sua vontade; pressupõe, por consequência, o acordo da natureza com todo o conjunto dos fins deste ser, e simultaneamente com o fundamento essencial de determinação da sua vontade. Ora a lei moral, como lei da liberdade, obriga por meio de fundamentos de determinação, que devem ser inteiramente independentes da natureza e do acordo dela com a nossa faculdade de desejar (como motor). Porém, o ser agente racional que actua no mundo não é simultaneamente causa do mundo e da própria natureza. Assim, pois, na lei moral não há o menor fundamento para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade, com ela proporcionada, num ser que, fazendo parte do mundo, dele depende; este ser, precisamente por isso, não pode ser voluntariamente a causa desta natureza nem, no que à felicidade respeita, fazer com que, pelas suas próprias forças, coincida perfeitamente com os seus próprios princípios práticos.
E, todavia, no problema prático que a razão pura nos prescreve, isto é, na prossecução do soberano bem, tal acordo é postulado como necessário: devemos procurar realizar o soberano bem,
Moral Vazia
O que nós chamamos a moral não passa de um empreendimento desesperado dos nossos semelhantes contra a ordem universal, que é a luta, a carnificina e o jogo cego de forças contrárias.
(…) Cada época tem a sua moral dominante, que não resulta nem da religião nem da filosofia, mas do hábito, única força capaz de reunir os homens num mesmo sentimento, pois tudo o que é sujeito ao raciocínio divide-os; e a humanidade só subsiste com a condição de não reflectir sobre aquilo que é essencial para a sua existência.
(…) A moral é a ciência dos costumes, e com eles muda. Ela difere de país para país e em nenhum lugar permanece a mesma no espaço de dez anos.
Regras Essenciais para uma Boa Amizade
Os homens assemelham-se às crianças, que adquirem maus costumes quando mimadas; por isso, não se deve ser muito condescendente e amável com ninguém. Do mesmo modo como, via de regra, não se perderá um amigo por lhe negar um empréstimo, mas muito facilmente por lhe conceder, também não se perderá nenhum amigo por conta de um tratamento orgulhoso e um pouco negligente, mas amiúde em virtude de excessiva amabilidade e solicitude, que fazem com que ele se torne insuportável, o que então produz a ruptura. Mas é sobretudo o pensamento de que precisamos das pessoas que lhes é absolutamente insuportável: petulância e presunção são as consequências inevitáveis.
Em algumas, tal pensamento origina-se em certo grau já pelo facto de nos relacionarmos ou conversarmos frequentemente com elas de uma maneira confidencial; de imediato, pensarão que nós também devemos ter paciência com eles e tentarão ampliar os limites da polidez. Eis porque tão poucos indivíduos se prestam a uma convivência íntima; desse modo, temos de evitar qualquer familiaridade com naturezas de nível inferior.Contudo, se esse indivíduo imaginar que é mais necessário a nós do que nós a ele, terá como sensação imediata a impressão de que lhe roubamos algo.
A Castração da Personalidade
O homem é um animal gregário. Político, dizia Aristóteles, ou seja, membro da cidade. Mas não só da cidade – de todas as greis espontâneas ou artificiais, estáveis ou precárias, onde quer que se encontre. Não pode suportar a ideia de estar só, consigo – quer ser unidade e não individualidade. Tem necessidade de se sentir cotovelo com cotovelo, pele com pele, no calor de uma multidão, ligado, seguro, uniforme, conforme. Se o leão anda só, em nós predomina o instinto ovino, do rebanho – os próprios individualistas, para afirmar o seu individualismo, congregam-se: sempre segundo a prática ovina.
O homem, quando só, sente-se incompleto – tem medo. Opor-se à grei significa separar-se, permanecer só, morrer. Os conceitos do bem e do mal nascem da necessidade de convivência. É bem o que aproveita ao grupo, mal o que o prejudica ou não beneficia. O rebanho não quer que cada ovelha pense demasiado em si, e como a privilegiada é a que obtém a boa opinião das outras, vê-se forçada, ainda que contra os seus gostos e interesses, a agir no sentido do bem supremo do rebanho. Há que pagar, com a castração da personalidade, a segurança contra o medo.
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Na Antiguidade, os sacrifícios faziam-se no altar. Atualmente esse costume perdura.
O costume a tudo nos habitua.
A decantada civilização tem multiplicado de tal modo as nossas necessidades e desejos, que para os contentar e satisfazer somos forçados, piorando de costumes, a sujeitar-nos a maiores trabalhos e cuidados.
A Má Consciência como Inibição dos Instintos
A má consciência é para mim o estado mórbido em que devia ter caído o homem quando sofreu a transformação mais radical que alguma vez houve, a que nele se produziu quando se viu acorrentado à argola da sociedade e da paz. À maneira dos peixes obrigados a adaptarem-se a viver em terra, estes semianimais, acostumados à vida selvagem, à guerra, às correrias e aventuras, viram-se obrigados de repente a renunciar a todos os seus nobres instintos. Forçavam-nos a irem pelo seu pé, a «levarem-se a si mesmos», quando até então os havia levado a água: esmagava-os um peso enorme. Sentiam-se inaptos para as funções mais simples; neste mundo novo e desconhecido não tinham os seus antigos guias estes instintos reguladores, inconscientemente falíveis; viam-se reduzidos a pensar, a deduzir, a calcular, a combinar causas e efeitos. Infelizes! Viam-se reduzidos à sua «consciência», ao seu órgão mais fraco e mais coxo! Creio que nunca houve na terra desgraça tão grande, mal-estar tão horrível!
Acrescente-se a isto que os antigos instintos não haviam renunciado de vez às suas exigências. Mas era difícil e amiúde impossível satisfazê-las; era preciso procurar satisfações novas e subterrâneas. Os instintos sob a enorme força repressiva, volvem para dentro,
A Leitura é a Mais Nobre das Distracções
Se o gosto pelos livros aumenta com a inteligência, os perigos, como vimos, diminuem com ela. Um espírito original sabe subordinar a leitura à actividade pessoal. Ela é para ele apenas a mais nobre das distrações, sobretudo a mais enobrecedora, pois, só a leitura e o saber conferem «as boas maneiras» do espírito. O poder da nossa sensibilidade e da nossa inteligência, só o podemos desenvolver dentro de nós próprios, nas profundezas da nossa vida espiritual. Mas é nesse contacto com os outros espíritos que a leitura é, que se faz a educação das “maneiras” do espírito. Os letrados permanecem, apesar de tudo, como as pessoas notáveis da inteligência, e ignorar um determinado livro, uma determinada particularidade da ciência literária, será sempre, mesmo num homem de génio, uma marca de grosseria intelectual. A distinção e a nobreza consistem na ordem do pensamento também, numa espécie de franco-maçonaria de costumes, e numa herança de tradições.
…e que nada nem ninguém é mais importante do que nós próprios. E não devemos negar-nos nenhum prazer, nenhuma experiência, nenhuma satisfação, desculpando-nos com a moral, a religião ou os costumes.
Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento. (p. 19)
Que Significado Tem a Felicidade?
Deve-se neste momento – relacionando-a com certas informações do dicionário – formular ainda a pergunta: o que são afinal os bens da vida humana? Quem nos diz que um determinado bem é superior ou inferior? Há lacunas desagradáveis nos dicionários, até nos mais conhecidos. Pode-se demonstrar que há pessoas para quem DM 2,5 são um bem muito superior a qualquer outra vida humana, com excepção da deles, e há até outros que, por amor a um bocado de chouriço de sangue, que conseguem ou não apanhar, arriscam sem hesitação os bens das mulheres e dos filhos, como, por exemplo: uma vida familiar alegre e a presença de um pai ao menos uma vez radiante. E que significado tem esse bem, que louvamos sob o nome de F.(Felicidade)? Que diabo, este está bem perto da F., se consegue juntar as três ou quatro beatas que chegam para ele fazer outro cigarro ou se pode beber o resto de Vermute de uma garrafa que se deitou fora, aquele precisa para ser feliz durante cerca de dez minutos – pelo menos segundo o costume ocidental de amor a ritmo acelerado-, mais precisamente: para estar ràpidamente com a pessoa que naquele momento deseja, precisa de um avião a jacto particular,
Quotidiano (Reflexão)
Por exemplo, as coisas que faltam neste lugar:
uma enxada para que as mãos não toquem na terra,
um ninho de pardais no canto da relha,
para que um ruído de asas se possa abrigar,
um pedaço de verde no monte que ainda vejo,
por detrás dos prédios que invadem tudo.Mas se estas coisas estivessem aqui,
também faria falta um copo de água para ver,
através do vidro, um horizonte desfocado;
e ainda os restos de madeira com que,
no inverno, é costume atiçar o fogo
e a imaginação que ele consome.Como se tudo estivesse no lugar,
pronto para ser usado na data prevista,
sento-me à janela, e fixo a única coisa
que não se move:
o gato, hipnotizado por um olhar
que só ele pressente.
Soneto III
Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha é descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
Têm a alma, aceso o peito, presa a vida;Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhã clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De üa virtude a poucas concedida;Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.
A Vida Raramente depende da Inciativa dos Homens
Poucas pessoas saberão, a meio da vida, como chegaram a ser o que são, aos seus prazeres, à sua visão do mundo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos; mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito. Poderia mesmo afirmar-se que foram enganadas, porque não se consegue descobrir em lugar nenhum a razão suficiente para que tudo tenha acontecido como aconteceu, quando teria sido perfeitamente possível ter acontecido de outra forma. O que acontece, aliás, raramente depende da iniciativa dos homens, mas quase sempre das mais variadas circunstâncias, dos caprichos, da vida e da morte de outras pessoas, e, de certo modo, limita-se a vir ter connosco naquele preciso momento. Na juventude, a vida está ainda à nossa frente como uma manhã inesgotável, plena de possibilidades e de vazio; mas logo ao meio-dia algo se anuncia que reclama ser a nossa própria vida, mas que é tão surpreendente como uma pessoa com quem nos correspondemos durante vinte anos sem a conhecer, e que um belo dia, de repente, temos diante de nós e constatamos que é completamente diferente do que havíamos imaginado.
Mas o mais estranho é que a maior parte das pessoas nem dêem por isso;
A fatalidade possui uma certa elasticidade a que é costume chamar-se liberdade humana.