Sonetos sobre GĂ©nios

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Sonetos de génios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

XIV

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondĂȘncia,
Ou desconhece o rosto da violĂȘncia,
Ou do retiro a paz nĂŁo tem provado.

Que bem Ă© ver nos campos transladado
No gĂȘnio do pastor, o da inocĂȘncia!
E que mal Ă© no trato, e na aparĂȘncia
Ver sempre o cortesĂŁo dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um sĂł trata a mentira, outro a verdade.

Ali não hå fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, Ă© variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

Sentimento Esquisito

Ó cĂ©u estĂ©ril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

New York

Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do cĂ©u, galgando em fĂșria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.

Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gĂȘnio, enche as artĂ©rias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.

Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:

Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume anciĂŁo de idades mortas…

LĂĄgrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos

LĂĄgrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidĂ©rio…
Raios de luz, fantĂĄsticos, divinos!…

Astros diĂĄfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…

Brisas suaves, viraçÔes amenas,
LĂ­rios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…

Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o GĂȘnio das mansĂ”es serenas,
Esse ProdĂ­gio singular e mago!!…

Dizem Que A Arte É A ClĂąmide De IdĂ©ia

Dizem que a arte é a clùmide de idéia
A peregrina irradiação celeste,
E d’isso a prova singular jĂĄ deste
Sorvendo d’ela a divinal sabĂ©ia!.

Da “Georgeta” na feliz estrĂ©ia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que Ă©s um gĂȘnio, que te vĂĄs de preste
Tornando o assombro de qualquer platĂ©ia!…

Sinto uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos co’a expressĂŁo dos astros!…

E as turbas mudas, impassĂ­veis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas…
VĂŁo-te seguindo os luminosos rastros!…

Grandeza Oculta

Estes vĂŁo para as guerras inclementes,
Os absurdos herĂłiis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.

Aqueles para os frĂ­volos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxĂșrias carnais, impenitentes.

Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu GĂȘnio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,

Ó delicado espírito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!

Saint-Just

Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixĂ”es audazes
Ardente o lĂĄbio de terrĂ­veis frases
E a luz do gĂȘnio em seu olhar fulgindo,

A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesĂŁos sequazes –

Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –

E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoçÔes que em séculos não sofreu!

Eu Como, Eu Bebo, Eu Durmo

Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chĂĄ; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:

As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol círculos traço.

Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:

E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.

Liberdade, Onde estĂĄs? Quem Te Demora?

Liberdade, onde estĂĄs? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nĂłs nĂŁo caia?
Porque (triste de mim!) porque nĂŁo raia
JĂĄ na esfera de LĂ­sia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha . . . Oh!, venha, e trĂȘmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pĂĄtrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhÔes tua piedade;
Nosso nĂșmen tu Ă©s, e glĂłria, e tudo,
MĂŁe do gĂȘnio e prazer, Ăł Liberdade!

Soneto 278 A Salvador Dali

Pra mim, Picasso perto dele Ă© pinto.
Qual cubo nem Guernica! O catalĂŁo
pÎs fogo na girafa, e då lição
de como vocĂȘ pinta como eu pinto.

RelĂłgios derreteu, deu ao recinto
bagunça formidåvel de ilusão.
Bigodes retorceu, e a posição
do Cristo subverteu: estilo extinto.

Talvez fez na pintura o que GaudĂ­
ergueu, fenomenal, na arquitetura:
delírio, porém nítido. Não vi

no século atual maior textura
que o fruto da estranheza de Dali,
o gĂȘnio do ocular na cor. Loucura!

Quatro Sonetos De Meditação – II

Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da ĂĄrvore jovem que nĂŁo ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doce

Na sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silĂȘncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.

Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepĂșsculo mĂłrbido e maduro
Me leva a face ao gĂȘnio dos espelhos

E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.

Soneto 253 A Renato Russo

Embora original, gĂȘnio, perito,
do nosso rock um raro uirapuru,
vivia ensimesmado e jururu,
talvez por nĂŁo ser grego nem bonito.

Entendo a sua angĂșstia e o seu conflito,
meu Ă­dolo, meu mĂĄrtir, meu guru!
Causou vocĂȘ, primeiro, um sururu;
depois, tristeza, e entĂŁo calou seu grito.

Respeito quem Ă© triste, ou aparenta.
Os outros grandes brincam: Raul, Rita,
ou cospem mera raiva barulhenta.

Cazuza também brinca, mas medita.
Arnaldo Antunes testa, experimenta.
Renato faz da dor a dor: maldita!

Louvor A Unidade

“Escafandros, arpĂ”es, sondas e agulhas
“Debalde aplicas aos heterogĂȘneos
“FenĂŽmenos, e, hĂĄ inĂșmeros milĂȘnios,
“Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!

“Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,
“Com essa intuição monĂ­stica dos gĂȘnios,
“À hirta forma falaz do are perennius
“A transitoriedade das fagulhas!”

– Era a estrangulação, sem retumbĂąncia,
Da multimilenĂĄria dissonĂąncia
Que as harmonias siderais invade…

Era, numa alta aclamação, sem gritos,
O regresso dos ĂĄtomos aflitos
Ao descanso perpétuo da Unidade!

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 7

O nume tutelar da Monarquia,
Que fez do grande Henrique a invicta espada,
Procurou dos Destinos a morada,
Por consultar a idade que viria.

A mil e mil herĂłis descrito via,
Que exaltam de furtado a estirpe honrada,
E na série, que adora, dilatada,
O nome de Francisco descobria.

Contempla uma por uma as letras d’ouro;
Este penhor, que o tempo nĂŁo consome,
Promete ao reino seu maior tesouro.

Prostra-se o gĂȘnio; e sem que a empresa tome
De lhe buscar sequer mais outro agouro,
O sĂ­tio beija, e lhe mostra o nome.

XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se nĂŁo distingue jĂĄ do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lĂĄgrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gĂȘnio esquivo,
TĂŁo longe dela estou, e estou tĂŁo perto.

É Delicada, Suave, Vaporosa

É delicada, suave, vaporosa,
A grande atriz, a singular feitura…
É linda e alva como a neve pura,
DĂ©bil, franzina, divinal, nervosa!…

E d’entre os lĂĄbios setinais, de rosa
Libram-se pĂ©rolas de nitente alvura…
E doce aroma de sutil frescura
Sai-lhe da leve compleição mimosa!…

Quando aparece no febril proscĂȘnio
Bem como os mitos do passado, ingentes,
Bem como um astro majestoso, helĂȘnio…

Sente-se n’alma as atraçÔes potentes
Que sĂł se operam ao fulgor do gĂȘnio,
As rubras chispas ideais, ferventes!…

Ergue, Criança, A Fronte Condorina

Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!

Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da CiĂȘncia, o rĂștilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!

E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sincero

Um peito amigo a outro peito amigo,
A um gĂȘnio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!

XXII

A Goethe.

Quando te leio, as cenas animadas
Por teu gĂȘnio, as paisagens que imaginas,
Cheias de vida, avultam repentinas,
Claramente aos meus olhos desdobradas.

Vejo o céu, vejo as serras coroadas
De gelo, e o sol que o manto das neblinas
Rompe, aquecendo as frĂ­gidas campinas
E iluminando os vales e as estradas.

Ouço o rumor soturno da charrĂșa,
E os rouxinĂłis que, no carvalho erguido,
A voz modulam de ternuras cheia.

E vejo, Ă  luz tristĂ­ssima da lua,
Hermann que cisma, pĂĄlido, embebido
No meigo olhar da loura DorothĂ©a…

Chegou Enfim, E O Desembarque Dela

Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressĂŁo divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!

É graciosa, sacudida e bela,
NĂŁo tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gĂȘnio que seduz, fascina,
TĂŁo atraente, singular Ă© ela!

Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!

Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!

A CamÔes

Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glĂłria que nĂŁo passa,
Em teu poema de heroĂ­smo e de beleza.

GĂȘnio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pĂĄtria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

NĂŁo morrerĂĄ, sem poetas nem soldados,
A lĂ­ngua em que cantaste rudemente
As armas e os barÔes assinalados.