Ergue, Criança, A Fronte Condorina
Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
Ă como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da CiĂȘncia, o rĂștilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sinceroUm peito amigo a outro peito amigo,
A um gĂȘnio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!
Sonetos sobre Génios
29 resultadosXXII
A Goethe.
Quando te leio, as cenas animadas
Por teu gĂȘnio, as paisagens que imaginas,
Cheias de vida, avultam repentinas,
Claramente aos meus olhos desdobradas.Vejo o céu, vejo as serras coroadas
De gelo, e o sol que o manto das neblinas
Rompe, aquecendo as frĂgidas campinas
E iluminando os vales e as estradas.Ouço o rumor soturno da charrĂșa,
E os rouxinĂłis que, no carvalho erguido,
A voz modulam de ternuras cheia.E vejo, Ă luz tristĂssima da lua,
Hermann que cisma, pĂĄlido, embebido
No meigo olhar da loura DorothĂ©a…
Chegou Enfim, E O Desembarque Dela
Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressĂŁo divina!
Ă meiga, pura como sĂŁ bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!Ă graciosa, sacudida e bela,
NĂŁo tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gĂȘnio que seduz, fascina,
TĂŁo atraente, singular Ă© ela!Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!
A CamÔes
Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glĂłria que nĂŁo passa,
Em teu poema de heroĂsmo e de beleza.GĂȘnio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pĂĄtria portuguesa.E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,NĂŁo morrerĂĄ, sem poetas nem soldados,
A lĂngua em que cantaste rudemente
As armas e os barÔes assinalados.
Aqui, Onde O Talento Verdadeiro
Aqui, onde o talento verdadeiro
NĂŁo nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no pĂșblico respeito
Se conquista o brasĂŁo mais lisonjeiro.Aqui onde o gĂȘnio sobranceiro
E, de torpes calĂșnias, ao efeito,
JesuĂna, dos zoilos a despeito,
Ăs tu que ocupas o lugar primeiro!Repara como o povo te festeja…
VĂȘ como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mĂŁo, que, oculta, te apedreja!Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
“Das almas grandes a nobreza Ă© esta.”
Nocturno
EspĂrito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu sĂł entendes bem o meu tormento…Como um canto longĂnquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visÔes, o eterno Bem.E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
Erros Meus, MĂĄ Fortuna, Amor Ardente
Erros meus, mĂĄ Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.Tudo passei; mas tenho tĂŁo presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que jĂĄ as frequĂȘncias suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
I
Para cantar de amor tenros cuidados,
Tomo entre vĂłs, Ăł montes, o instrumento;
Ouvi pois o meu fĂșnebre lamento;
Se Ă©, que de compaixĂŁo sois animados:JĂĄ vĂłs vistes, que aos ecos magoados
Do trĂĄcio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de AnfiĂŁo ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.
Bem sei, que de outros gĂȘnios o Destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino:O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.
GĂȘnio Das Trevas LĂșgubres, Acolhe-me
GĂȘnio das trevas lĂșgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tĂȘnebras recolhe-me!Aqui hĂĄ muita luz e muita aurora,
HĂĄ perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,E as trevas moram, e, onde d’ĂĄgua raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!