Sonetos sobre MĂ­sticos de Cruz e Souza

9 resultados
Sonetos de mĂ­sticos de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Na Mazurka

Morava num palácio — estranha BabilĂ´nia
De arcadas colossais, de impávidos zimbórios,
Alcovas de damasco e torreões marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jĂ´nia.

Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de SĂ©fora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os mĂ­sticos sigilos!

E quando nos saraus, assim como um rainĂşnculo,
O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo,
Vibrava nos salões, como uma adaga turca,

Ou como o sol em cheio e rubro sobre o BĂłsforo,
— nos crânios os Homens sentiam ter mais fĂłsforo…
Ao vĂŞ-la escultural no passo da Mazurka…

Carnal E MĂ­stico

Pelas regiões tenuíssimas da bruma
Vagam as Virgens e as Estrelas raras…
Como que o leve aroma das searas
Todo o horizonte em derredor perfume.

N’uma evaporação de branca espuma
VĂŁo diluindo as perspectives claras…
Com brilhos crus e fĂşlgidos de tiaras
As Estrelas apagam-se uma a uma.

E entĂŁo, na treva, em mĂ­sticas dormĂŞncias
Desfila, com sidéreas lactescências,
Das Virgens o sonâmbulo cortejo…

Ă“ Formas vagas, nebulosidades!
EssĂŞncia das eternas virgindades!
Ă“ intensas quimeras do Desejo…

Alma Fatigada

Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.

A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mĂłrbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.

Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqĂĽilas!

Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de mĂ­sticas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!

Gloriosa

A AraĂşjo Figueredo

Pomba! dos céus me dizes que vieste,
Toda c’roada de astros e de rosas,
Mas há regiões mais que essas luminosas.
NĂŁo, tu nĂŁo vens da regiĂŁo celeste

Há um outro esplendor em tua veste,
Uma outra luz nas tranças primorosas,
Outra harmonia em teu olhar — maviosas
Cousas em ti que tu nunca tiveste.

Não, tu não vens das célicas planuras,
Do Éden que ri e canta nas alturas
Como essa voz que dos teus lábios tomba.

Vens de mais longe, vens doutras paragens,
Vens doutros céus de místicas celagens,
Sim, vens de sĂłis e das auroras, pomba.

Ocasos

Morrem no Azul saudades infinitas
MistĂ©rios e segredos inefáveis…
Ah! Vagas ilusões imponderáveis,
Esperanças acerbas e benditas.

Ă‚nsias das horas mĂ­sticas e aflitas,
De horas amargas das intermináveis
Cogitações e agruras insondáveis
De febres tredas, trágicas, malditas.

Cogitações de horas de assombro e espanto
Quando das almas num relevo santo
Fulgem de outrora os sonhos apagados.

E os bracos brancos e tentaculosos
Da Morte, frios, álgidos, nervosos,
Abrem-se pare mim torporizados.

Musica Misteriosa

Tenda de Estrelas nĂ­veas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadários,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da Lua nos clarões dormentes…

Pelos raios fluĂ­dicos, diluentes
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes…

Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo…

E vai, de Estrela a Estrela, a luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo…

De Alma Em Alma

Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silĂŞncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivário
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De silĂŞncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverĂŞncias!
A alma da FĂ© tem dessas florescĂŞncias,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!

Auréola Equatorial

A Teodoreto Souto

Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodĂ­gios,
Poetas do Equador, artĂ­sticos Barnaves;
Que o facho — Abolição — rasgando as nuvens graves
De raios e bulcões — triunfa nos litĂ­gios!

— O rei Mamoud, o Sol, vibrou p’raquelas bandas
do Norte — a grande luz — elĂ©trico, explodindo,
Assim como quem vai, intrépido, subindo
Ă€ luz da idade nova — em claras propagandas.

— Os pássaros titĂŁs nos seus conciliábulos,
— Chilreiam, vĂŁo cantando em mĂ­sticos vocábulos,
Alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;

Abri alas, abri! — Que em tĂşnica de assombros,
Irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros,
Como um colosso enorme o impávido Amazonas!

Regenerada

De mĂŁos postas, Ă  luz de frouxos cĂ­rios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais EmpĂ­reos
Das Orações o doloroso rito.

Todos os mais recĂ´nditos martĂ­rios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lírios,
Num trĂŞmulo de frases inaudito.

Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d’estranhos, mĂ­sticos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.

Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.