Sonetos sobre EssĂȘncia

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Sonetos de essĂȘncia escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

IV

Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visĂ”es crepusculares…
Tu Ă©s uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vĂȘs no azul o teu caixĂŁo de pinho.

És a essĂȘncia de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂ­tola da prece…

Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandĂĄlias trazes…

Cheiro De EspĂĄdua

“Quando a valsa acabou, veio Ă  janela,
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,
Eu, viração da noite, a essa hora entrava
E estaquei, vendo-a decotada e bela.

Eram os ombros, era a espĂĄdua, aquela
Carne rosada um mimo! A arder na lava
De improvisa paixĂŁo, eu, que a beijava,
Hauri sequiosa toda a essĂȘncia dela!

Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciĂșme!
Sair velada da mantilha. A esteira
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.

E agora, que se foi, lembrando-a ainda,
Sinto que Ă  luz do luar nas folhas, cheira
Este ar da noite Ă quela espĂĄdua linda!”

A Perfeição

A Perfeição Ă© a celeste ciĂȘncia
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mĂłrbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescĂȘncia.

Noss’alma fica da clarividĂȘncia
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essĂȘncia.

Noss’alma fica como o ser que Ă s lutas
As mĂŁos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.

A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!

A. S. Francisco Tomando O Poeta O Habito De Terceyro

Ó magno serafim, que a Deus voaste
Com asas de humildade, e paciĂȘncia,
E absorto jĂĄ nessa divina essĂȘncia
Logras o eterno bem, a que aspiraste:

Pois o caminho aberto nos deixaste,
Para alcançar de Deus tambĂ©m clemĂȘncia
Na ordem singular de penitĂȘncia
Destes Filhos Terceiros, que criaste.

A Filhos, como Pai, olha queridos,
E intercede por nĂłs, Francisco Santo,
Para que te sigamos, e imitemos.

E assim desse teu hĂĄbito vestidos
Na terra blasonemos de bem tanto,
E depois para o CĂ©u juntos voemos.

Jardim

Negro jardim onde violas soam
e o mal da vida em ecos se dispersa:
à toa uma canção envolve os ramos
como a estĂĄtua indecisa se reflete

no lago hĂĄ longos anos habitado
por peixes, não, matéria putrescível,
mas por pĂĄlidas contas de colares
que alguém vai desatando, olhos vazados

e mĂŁos oferecidas e mecĂąnicas,
de um vegetal segredo enfeitiçadas,
enquanto outras visÔes se delineiam

e logo se enovelam: mascarada,
que sei de sua essĂȘncia (ou nĂŁo a tem),
jardim apenas, pétalas, pressågio

LĂ­rio Lutuoso

EssĂȘncia das essĂȘncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂ­rio,
Oh! dĂĄ-me a glĂłria de celeste EmpĂ­reo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂ­rio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mĂĄgicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂ­rio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dĂĄ-me a glĂłria do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lĂĄgrimas acerbas do teu luto!.

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

Revelação

I

Escafandrista de insondado oceano
Sou eu que, aliando Buda ao sibarita,
Penetro a essĂȘncia plĂĄsmica infinita,
-MĂŁe promĂ­scua do amor e do Ăłdio insano!

Sou eu que, hirto, auscultando o absconso arcano,
Por um poder de acĂșstica esquisita,
Ouço o universo ansioso que se agita
Dentro de cada pensamento humano!

No abstrato abismo equĂłreo, em que me Inundo,
Sou eu que, revolvendo o ego profundo
E a ódio dos cérebros medonhos,

Restituo triunfalmente Ă  esfera calma
Todos os cosmos que circulam na alma
Sob a forma embriolĂłgica de sonhos!

O Perfume

O que sou eu? – O Perfume,
Dizem os homens. – Serei.
Mas o que sou nem eu sei…
Sou uma sombra de lume!

Rasgo a aragem como um gume
De espada: Subi. Voei.
Onde passava, deixei
A essĂȘncia que me resume.

Liberdade, eu me cativo:
Numa renda, um nada, eu vivo
Vida de Sonho e Verdade!

Passam os dias, e em vĂŁo!
– Eu sou a Recordação;
Sou mais, ainda: a Saudade.

Carnal E MĂ­stico

Pelas regiÔes tenuíssimas da bruma
Vagam as Virgens e as Estrelas raras…
Como que o leve aroma das searas
Todo o horizonte em derredor perfume.

N’uma evaporação de branca espuma
VĂŁo diluindo as perspectives claras…
Com brilhos crus e fĂșlgidos de tiaras
As Estrelas apagam-se uma a uma.

E entĂŁo, na treva, em mĂ­sticas dormĂȘncias
Desfila, com sidĂ©reas lactescĂȘncias,
Das Virgens o sonĂąmbulo cortejo…

Ó Formas vagas, nebulosidades!
EssĂȘncia das eternas virgindades!
Ó intensas quimeras do Desejo…

Anima Mea

Ó minh’alma, Ăł minh’alma, Ăł meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!

Estrada ideal de SĂŁo Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde Ă© que vem toda esta mĂĄgoa fina
Que Ă©, no entanto, consolo e que eu bendigo?

De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluĂ­da e sempiterna mĂĄgoa?

Ah! de onde vem toda essa estranha essĂȘncia
De tanta misteriosa TranscendĂȘncia
Que estes olhos me dixam rasos de ĂĄgua?!

Voz Fugitiva

Às vezes na tu’alma que adormece
Tanto e tĂŁo fundo, alguma voz escuto
De timbre emocional, claro, impoluto
Que uma voz bem amiga me parece.

E fico mudo a ouvi-la como a prece
De um meigo coração que estå de luto
E livre, jĂĄ, de todo o mal corruto,
Mesmo as afrontas mais cruéis esquece.

Mas outras vezes, sempre em vĂŁo, procuro
Dessa voz singular o timbre puro,
As essĂȘncias do cĂ©u maravilhosas.

Procuro ansioso, inquieto, alvoroçado,
Mas tudo na tu’alma estĂĄ calado,
No silĂȘncio fatal das nebulosas.

Supreme Convulsion

O equilĂ­brio do humano pensamento
Sofre tambĂ©m a sĂșbita ruptura,
Que produz muita vez, na noite escura,
A convulsĂŁo meteĂłrica do vento.

E a alma o obnĂłxio quietismo sonolento
Rasga; e, opondo-se Ă  InĂ©rcia, Ă© a essĂȘncia pura,
É a sĂ­ntese, Ă© o transunto, Ă© a abreviatura
Do todo o ubiqĂŒitĂĄrio Movimento!

Sonho, – libertação do homem cativo –
Ruptura do equilĂ­brio subjetivo,
Ah! foi teu beijo convulsionador

Que produziu este contraste fundo
Entre a abundĂąncia do que eu sou, no Mundo,
E o nada do meu homem interior!

A MĂĄscara

Eu sei que hĂĄ muito pranto na existĂȘncia,
Dores que ferem coraçÔes de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
AĂ­ existe a mĂĄgoa em sua essĂȘncia.

No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitĂłria
O peito rompe a capa tormentĂłria
Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a mĂĄgoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.

Fogos-FĂĄtuos

HĂĄ certas almas vĂŁs, galvanizadas
De emoção, de pureza, de bondade,
Que como toda a azul imensidade
Chegam a ser de sĂșbito estreladas.

E ficam como que transfiguradas
Por momentos, na vaga suavidade
De quem se eleva com serenidade
Às risonhas, celestes madrugadas.

Mas nada Ă s vezes nelas corresponde
Ao sonho e ninguém sabe mais por onde
Anda essa falsa e fugitiva chama…

É que no fundo, na secreta essĂȘncia,
Essas almas de triste decadĂȘncia
SĂŁo lama sempre e sempre serĂŁo lama.

Ariana

Ela Ă© o tipo perfeito da ariana,
Branca, nevada, pĂșbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essĂȘncia que de si dimana.

As nĂ­veas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em flĂĄcido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana,

Enquanto o amante pĂĄlido, a seu lado
Medita, a fronte triste, o olhar velado
No Mistério da Carne Soberana

Contemplação

Sonho de olhos abertos, caminhando
NĂŁo entre as formas jĂĄ e as aparĂȘncias,
Mas vendo a face imĂłvel das essĂȘncias,
Entre idĂ©ias e espĂ­ritos pairando…

Que Ă© o mundo ante mim? fumo ondeando,
VisĂ”es sem ser, fragmentos de existĂȘncias…
Uma nĂ©voa de enganos e impotĂȘncias
Sobre vĂĄcuo insondĂĄvel rastejando…

E d’entre a nĂ©voa e a sombra universais
SĂł me chega um murmĂșrio, feito de ais…
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim sĂł presentido…

Meu Ser Evaporei na Luta Insana

Meu ser evaporei na luta insana
Do tropel de paixÔes que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! mĂ­sero eu sonhava
Em mim quasi imortal a essĂȘncia humana!

De que inĂșmeros sĂłis a mente ufana
ExistĂȘncia falaz me nĂŁo dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sĂłcios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si nĂŁo coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos

Deus, Ăł Deus!… quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver nĂŁo soube.

PlenilĂșnio

Desmaia o plenilĂșnio. A gaze pĂĄlida
Que lhe serve de alvĂ­ssimo sudĂĄrio
Respira essĂȘncias raras, toda a cĂĄlida
MĂ­stica essĂȘncia desse alampadĂĄrio.

E a lua Ă© como um pĂĄlido sacrĂĄrio,
Onde as almas das virgens em crisĂĄlida
De seios alvos e de fronte pĂĄlida,
Derramam a urna dum perfume vĂĄrio.

Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctĂąmbula do Amor,
Eu, noctĂąmbulo da Dor e da Saudade.

Ah! como a branca e merencĂłrea lua,
TambĂ©m envolta num sudĂĄrio – a Dor,
Minh’alma triste pelos cĂ©us flutua!

DilaceraçÔes

Ó carnes que eu amei sangrentamente,
Ó volĂșpias letais e dolorosas,
EssĂȘncias de heliĂłtropos e de rosas
De essĂȘncia morna, tropical, dolente…

Carnes virgens e tépidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente…

Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores…

Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lĂĄgrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsĂ”es, em cores…