Sonetos sobre Pedras

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Sonetos de pedras escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Mudez Perversa

Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude de pedra, concentrando
No entanto, n’alma, convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo grossas pás de terra.

NĂŁo te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrĂ­vel que nĂŁo gera nada,
Que nĂŁo diz nada, nĂŁo tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma alucinada!

O Anel de Corina

Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
OvĂ­dio oscĂşla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.

— « Como eu te invejo, ó prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairá, qual Venus, orvalhada,

« O dorso e o seio lhe verás de rosas,
« E selarás as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…

« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira á pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da língua humedecer-te! »

Tarde Demais…

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂ´s-se o silĂŞncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
PĂ©s nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ă“ meu Amor?!…”

Mala Com Alça

É da lama essa mala que retiro
para subir a encosta (como a pedra
que Sisifo ainda empurra todo dia)
numa viagem cheia de seqĂĽelas.

Não há como negar tantos espinhos
na travessia turva de mistérios
que vĂŁo-se descobrindo nos caminhos:
a mão negada, a fome, o vitupério,

o rito solidário que esquecemos
em troca a vaidade transitĂłria.
Somos do barro e ao barro voltaremos.

A verdade do Homem e de sua Hora
vem com mala e alça, disto sabemos,
mais o peso do corpo e sua histĂłria.

Quatro Sonetos De Meditação – III

O efêmero. Ora, um pássaro no vale
Cantou por um momento, outrora, mas
O vale escuta ainda envolto em paz
Para que a voz do pássaro não cale.

E uma fonte futura, hoje primária
No seio da montanha, irromperá
Fatal, da pedra ardente, e levará
À voz a melodia necessária.

O efĂŞmero. E mais tarde, quando antigas
Se fizerem as flores, e as cantigas
A uma nova emoção morrerem, cedo

Quem conhecer o vale e o seu segredo
Nem sequer pensará na fonte, a sĂłs…
Porém o vale há de escutar a voz.

O Anjo Da Redenção

Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mĂŁo de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sĂłis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.

Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do Ăłdio bifronte, torso, torvo e duro.

Maravilhas nos olhos e prodĂ­gios
Nos olhos, chega dos azuis litĂ­gios
Desce Ă  tua caverna de bandido.

E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!

Lápide

(com tema de VirgĂ­lio, o Latino,
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo)

Quando eu morrer, nĂŁo soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo ChĂŁo pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
Ă  tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento

Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.

As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.

E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.

Em lágrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.

Um Calção De Pindoba A Meia Zorra

Um calção de pindoba a meia zorra
Camisa de urucu, mantéu de arara,
Em lugar de cotĂł, arco, e taquara,
Penacho de guarás em vez de gorra.

Furado o beiço, e sem temer que morra
O pai, que lho envazou cuma titara,
Porém a Mãe a pedra lhe aplicara
Por reprimir-lhe o sangue que nĂŁo corra,

Alarve sem razão, bruto sem fé,
Sem mais leis, que as do gosto, quando erra,
De Paiaiá tornou-se em Abaeté.

NĂŁo sei onde acabou, ou em que guerra,
Só sei que deste Adão de Massapé,
Procedem os fidalgos desta terra.

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 2

Num fértil campo de soberbo Douro,
Dormindo sobre a relva, descansava,
Quando vi que a Fortuna me mostrava
Com alegre semblante o seu tesouro.

De uma parte, um montĂŁo de prata e ouro
Com pedras de valor o chĂŁo curvava;
Aqui um cetro, ali um trono estava,
Pendiam coroas mil de grama e louro.

– Acabou – diz-me entĂŁo – a desventura:
De quantos bens te exponho qual te agrada,
Pois benigna os concedo, vai, procura.

Escolhi, acordei, e nĂŁo vi nada:
Comigo assentei logo que a ventura
Nunca chega a passar de ser sonhada.

New York

Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.

Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.

Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:

Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume anciĂŁo de idades mortas…

A concha

A minha casa Ă© concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciĂŞncia:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros sĂł areia e ausĂŞncia.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocĂŞncia
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhadosa de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa… Mas Ă© outra a histĂłria:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memĂłria.

Tu e Eu DevĂ­amos Simplesmente Amar-nos

Amor, quantos caminhos para chegar a um beijo,
que solidão errante até chegar a ti!
Os comboios continuam vazios rolando com a chuva.
Em Taltal a primavera nĂŁo amanheceu ainda.

Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
juntos da roupa Ă s raĂ­zes,
juntos pelo outono, pela água, pelas ancas,
até sermos apenas tu e eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que o rio arrasta,
a embocadura da água do Boroa,
pensar que separados por comboios e nações

tu e eu devĂ­amos simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.

A Idade

Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princĂ­pio, estava o amor oculto no secreto fio
da memória do mundo. Ao princípio, era o insondável

desconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
do mundo. Ao princĂ­pio, vinha o silĂŞncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princĂ­pio, chegava
a dor da pedra opressa nos corações, sublime prodígio

do mundo. Ao princípio, revelava-se o inominável,
o imĂłvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princĂ­pio, clamava-se a concĂłrdia e a piedade,

afirmação absoluta da constância do mundo.
Ao princĂ­pio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.

XXXIII

Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nome hei de estampar, Ăł Francelisa,
A ver, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formosura.

Já cintilam teus olhos: a figura
Avultando já vai; quanto indecisa
Pasmou na efígie a idéia, se divisa
No engraçado relevo da escultura.

Teu rosto aqui se mostra; eu nĂŁo duvido,
Acuses meu delĂ­rio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;

É tosca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido!
Só me dá esta penha o teu retrato!

TĂ©dio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, Ăşltimo outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silĂŞncio e no abandono,
SĂł, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, Ăł pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que nĂŁo vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fĂşnebre, lĂşgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…

O Amor E A Morte

(com tema de Augusto dos Anjos)

Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.

O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.

Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.

E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.

A Minha Dor

A minha Dor Ă© um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos tĂŞm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos tĂŞm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martĂ­rios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguĂ©m ouve… ninguĂ©m vĂŞ… ninguĂ©m…

O Mundo Do SertĂŁo

(com tema do nosso armorial)

Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
Ă  cruz do Azul, o Mal se desmantela.

Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.

E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,

o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.

DecadĂŞncia

Iguais Ă s linhas perpendiculares
Caíram, como cruéis e hórridas hastas,
Nas suas 33 vértebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!

A frialdade dos cĂ­rculos polares,
Em sucessivas atuações nefastas,
Penetrara-lhe os prĂłprios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!

Como quem quebra o objeto mais querido
E começa a apanhar piedosamente
Todas as microscĂłpicas partĂ­culas,

Ele hoje vĂŞ que, apĂłs tudo perdido,
SĂł lhe restam agora o Ăşltimo dente
E a armação funerária das clavículas!