Mudez Perversa
Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude de pedra, concentrando
No entanto, n’alma, convulsões de guerra!A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo grossas pás de terra.Não te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrĂvel que nĂŁo gera nada,
Que nĂŁo diz nada, nĂŁo tem fundo e rumo.Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma alucinada!
Sonetos sobre Pedras
76 resultadosO Anel de Corina
Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
OvĂdio oscĂşla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.— « Como eu te invejo, ó prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairá, qual Venus, orvalhada,« O dorso e o seio lhe verás de rosas,
« E selarás as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira á pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da lĂngua humedecer-te! »
Tarde Demais…
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂ´s-se o silĂŞncio, em volta, a escutar…Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
PĂ©s nus, olhos a rir, a boca em flor!E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ă“ meu Amor?!…”
Mala Com Alça
É da lama essa mala que retiro
para subir a encosta (como a pedra
que Sisifo ainda empurra todo dia)
numa viagem cheia de seqüelas.Não há como negar tantos espinhos
na travessia turva de mistérios
que vĂŁo-se descobrindo nos caminhos:
a mão negada, a fome, o vitupério,o rito solidário que esquecemos
em troca a vaidade transitĂłria.
Somos do barro e ao barro voltaremos.A verdade do Homem e de sua Hora
vem com mala e alça, disto sabemos,
mais o peso do corpo e sua histĂłria.
Quatro Sonetos De Meditação – III
O efêmero. Ora, um pássaro no vale
Cantou por um momento, outrora, mas
O vale escuta ainda envolto em paz
Para que a voz do pássaro não cale.E uma fonte futura, hoje primária
No seio da montanha, irromperá
Fatal, da pedra ardente, e levará
À voz a melodia necessária.O efêmero. E mais tarde, quando antigas
Se fizerem as flores, e as cantigas
A uma nova emoção morrerem, cedoQuem conhecer o vale e o seu segredo
Nem sequer pensará na fonte, a sĂłs…
Porém o vale há de escutar a voz.
O Anjo Da Redenção
Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mĂŁo de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sĂłis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do Ăłdio bifronte, torso, torvo e duro.Maravilhas nos olhos e prodĂgios
Nos olhos, chega dos azuis litĂgios
Desce Ă tua caverna de bandido.E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!
Lápide
(com tema de VirgĂlio, o Latino,
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo)Quando eu morrer, nĂŁo soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo ChĂŁo pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundidoque, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
Ă tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lágrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Um Calção De Pindoba A Meia Zorra
Um calção de pindoba a meia zorra
Camisa de urucu, mantéu de arara,
Em lugar de cotĂł, arco, e taquara,
Penacho de guarás em vez de gorra.Furado o beiço, e sem temer que morra
O pai, que lho envazou cuma titara,
Porém a Mãe a pedra lhe aplicara
Por reprimir-lhe o sangue que não corra,Alarve sem razão, bruto sem fé,
Sem mais leis, que as do gosto, quando erra,
De Paiaiá tornou-se em Abaeté.Não sei onde acabou, ou em que guerra,
Só sei que deste Adão de Massapé,
Procedem os fidalgos desta terra.
MarĂlia De Dirceu
Soneto 2
Num fértil campo de soberbo Douro,
Dormindo sobre a relva, descansava,
Quando vi que a Fortuna me mostrava
Com alegre semblante o seu tesouro.De uma parte, um montĂŁo de prata e ouro
Com pedras de valor o chĂŁo curvava;
Aqui um cetro, ali um trono estava,
Pendiam coroas mil de grama e louro.– Acabou – diz-me entĂŁo – a desventura:
De quantos bens te exponho qual te agrada,
Pois benigna os concedo, vai, procura.Escolhi, acordei, e nĂŁo vi nada:
Comigo assentei logo que a ventura
Nunca chega a passar de ser sonhada.
New York
Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume anciĂŁo de idades mortas…
A concha
A minha casa Ă© concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciĂŞncia:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros sĂł areia e ausĂŞncia.Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocĂŞncia
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.E telhadosa de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.A minha casa… Mas Ă© outra a histĂłria:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memĂłria.
Tu e Eu DevĂamos Simplesmente Amar-nos
Amor, quantos caminhos para chegar a um beijo,
que solidão errante até chegar a ti!
Os comboios continuam vazios rolando com a chuva.
Em Taltal a primavera nĂŁo amanheceu ainda.Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
juntos da roupa Ă s raĂzes,
juntos pelo outono, pela água, pelas ancas,
até sermos apenas tu e eu juntos.Pensar que custou tantas pedras que o rio arrasta,
a embocadura da água do Boroa,
pensar que separados por comboios e naçõestu e eu devĂamos simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.
A Idade
Ao princĂpio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princĂpio, estava o amor oculto no secreto fio
da memĂłria do mundo. Ao princĂpio, era o insondáveldesconhecido, aberto nas mĂŁos maternais, sortilĂ©gio
do mundo. Ao princĂpio, vinha o silĂŞncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princĂpio, chegava
a dor da pedra opressa nos corações, sublime prodĂgiodo mundo. Ao princĂpio, revelava-se o inominável,
o imĂłvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princĂpio, clamava-se a concĂłrdia e a piedade,afirmação absoluta da constância do mundo.
Ao princĂpio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.
XXXIII
Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nome hei de estampar, Ăł Francelisa,
A ver, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formosura.Já cintilam teus olhos: a figura
Avultando já vai; quanto indecisa
Pasmou na efĂgie a idĂ©ia, se divisa
No engraçado relevo da escultura.Teu rosto aqui se mostra; eu não duvido,
Acuses meu delĂrio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;É tosca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido!
Só me dá esta penha o teu retrato!
TĂ©dio
Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, Ăşltimo outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!Oh! dormir no silêncio e no abandono,
SĂł, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, Ăł pedra, a quietude do teu sono!Oh! deixar de sonhar o que nĂŁo vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fĂşnebre, lĂşgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…
O Amor E A Morte
(com tema de Augusto dos Anjos)
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.
A Minha Dor
A minha Dor Ă© um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.Os sinos tĂŞm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos tĂŞm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…A minha Dor Ă© um convento. Há lĂrios
Dum roxo macerado de martĂrios,
Tão belos como nunca os viu alguém!Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguĂ©m ouve… ninguĂ©m vĂŞ… ninguĂ©m…
O Mundo Do SertĂŁo
(com tema do nosso armorial)
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
Ă cruz do Azul, o Mal se desmantela.Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
DecadĂŞncia
Iguais Ă s linhas perpendiculares
CaĂram, como cruĂ©is e hĂłrridas hastas,
Nas suas 33 vértebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!A frialdade dos cĂrculos polares,
Em sucessivas atuações nefastas,
Penetrara-lhe os prĂłprios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!Como quem quebra o objeto mais querido
E começa a apanhar piedosamente
Todas as microscĂłpicas partĂculas,Ele hoje vĂŞ que, apĂłs tudo perdido,
SĂł lhe restam agora o Ăşltimo dente
E a armação funerária das clavĂculas!