Sonetos sobre Relva

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Sonetos de relva escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 2

Num fértil campo de soberbo Douro,
Dormindo sobre a relva, descansava,
Quando vi que a Fortuna me mostrava
Com alegre semblante o seu tesouro.

De uma parte, um montĂŁo de prata e ouro
Com pedras de valor o chĂŁo curvava;
Aqui um cetro, ali um trono estava,
Pendiam coroas mil de grama e louro.

– Acabou – diz-me entĂŁo – a desventura:
De quantos bens te exponho qual te agrada,
Pois benigna os concedo, vai, procura.

Escolhi, acordei, e nĂŁo vi nada:
Comigo assentei logo que a ventura
Nunca chega a passar de ser sonhada.

as meninas

as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços bóias pequeninas,
a outra dá um salto e põe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:

entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.

a água tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.

e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.

Aboio De Ternura Para Uma RĂŞs Desgarrada Para Astrid Cabral

Fora de tua tribo peixe fora d’água,
bordando as muitas dores no ponto de cruz,
alinhavas rebanhos reunidos na frágua
dos rios da tua infância com escamas de luz.

Versos tecidos na cambraia das anáguas
de alices caboclas, yaras-cunhĂŁs do fundo,
encantadas dos peraus, afogando mágoas,
mas que sabem, sestrosas, dos botos do mundo.

E os teus pés desgarrados pisaram em nuvens
de ventos sem mormaços, no azul de outras línguas:
águas despidas do alfenim de nossas chuvas.

Te sabias folha de relva da ravina
irmĂŁ de Whitman e do Khayam simum
prĂłxima do teu gado e rĂŞs da prĂłpria sina.

Contemplação

Nas crinas de cavalos reclinados
penteia o vento nuvens retorcidas
enquanto a sombra cai do céu calado
na relva da campina amanhecida.

Passeia o sol as hastes sublevadas
dos girassĂłis lambidos no rocio
que vaidosos se alçam na mirada
narcisos desse espelho em seu feitio.

A calma da manhĂŁ veste amarelo
e despe toda angĂşstia na brandura
das cores desse dia sem duelo.

Sendo o perdido me acho sem procura
sofrendo tenho sido meu flagelo
mas esse olhar agora me inaugura.

IV

Sou pastor; nĂŁo te nego; os meus montados
SĂŁo esses, que aĂ­ vĂŞs; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;

Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.

VĂłs, Ăł troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;

Consolai-vos comigo, Ăł troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.

Uma AusĂŞncia de Mim

Uma ausĂŞncia de mim por mim se afirma.
E, partindo de mim, na sombra sobre
o chĂŁo que nĂŁo foi meu, na relva simples
o outro ser que sonhei se deita e cisma.

Sonhei-o ou me sonhei? Sonhou-me o outro
— e o mundo a circundar-me, o ar, as flores,
os bichos sob o sol, a chuva e tudo —
ou foi o sonho dos demais que sonho?

A epiderme da vida me vestiu,
ou breve imaginar de um Ăłcio inĂştil
ergueu da sombra a minha carne, ou sou

um casulo de tempo, o centro e o sopro
da cisma do outro ser que de mim fala
e que, sonhando o mundo, em mim se acaba.

XV

Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado, Que Ă  bela
Antandra estais obedecendo;

Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;

Eu, o mĂ­sero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:

Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.