Sonetos sobre Espera

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Sonetos de espera escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Repouso

A cabeça pendida docemente
Em sonhos, sonha o sonhador inquieto,
Repousa e nesse repousar discreto
É sempre o sonho o seu bordão clemente.

Cego desta Prisão impenitente
Da Terra e cego do profundo Afeto,
O sonho é sempre o seu bordão secreto
O seu guia divino e refulgente.

Nem no repouso encontra a paz que espera,
Para lhe adormecer toda a quimera,
Os círculos fatais do seu Inferno.

Entre a calma aparente, a estranha calma,
O seu repouso é sempre a febre d’alma,
O seu repouso é sonho, e sonho eterno.

Primavera

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrado de amor e de cansaço.

A alma da terra gorjeava e ria…
Nascia a primavera… E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!

O Espírito

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

O Pântano

Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqüilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, à espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta…

E eu sinto a angústia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!

O Anel de Corina

Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
Ovídio oscúla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.

— « Como eu te invejo, ó prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairá, qual Venus, orvalhada,

« O dorso e o seio lhe verás de rosas,
« E selarás as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…

« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira á pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da língua humedecer-te! »

A uma Ausência

Sinto-me, sem sentir, todo abrasado
No rigoroso fogo que me alenta;
O mal, que me consome, me sustenta;
O bem, que me entretém, me dá cuidado.

Ando sem me mover, falo calado;
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado.

Choro no mesmo ponto em que me rio;
No mor risco me anima á confiança;
Do que menos se espera estou mais certo.

Mas se de confiado desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto.

XXXI

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente…

Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente…

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo é ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.

Estoicismo

(A Manoel Duarte de Almeida)

Tu que não crês, nem amas, nem esperas,
Espírito de eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras…

Atravessando regiões austeras,
Cheias de noite e cava escuridão,
Como n’um sonho mau, só oiço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas…

— Porque suspiras, porque te lamentas,
Cobarde coração? Debalde intentas
Opôr á Sorte a queixa do egoísmo…

Deixa aos tímidos, deixa aos sonhadores
A esperança vã, seus vãos fulgores…
Sabe tu encarar sereno o abismo!

Soneto das Metamorfoses

A Edmundo Morais

Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

À Morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera…quebra-me o encanto!

Primavera

Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
que inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora,
e, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço…

A alma da terra gorjeava e ria…
Nascia a primavera…E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!

Ciclo

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol… Sonhar!

Dia. A flor – o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros… Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição… Pensar!

Noite. Oh! Saudade!… A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas… Lembrar!

Descida

O que tinha de ser já foi… E está perdida
aquela ânsia de espera, de desejo e fé,
e tudo o que virá será cópia esbatida
da Vida que foi Vida e hoje Vida não é…

Muito pouco de tudo ainda resta de pé…
Agora, nunca mais estréias… Repetida
a alma se reverá um desespero, até
que a vida já não valha a pena ser vivida…

Do que foi canto e flor restam só as raízes,
e ao tédio que envenena os dias mais risonhos
repito: nunca mais estréias… só reprises…

E que importa o que vier? Sejam anos ou meses?
– Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos!
– Nunca mais a surpresa das primeiras vezes!

Jovens Filhos Da Pátria, Em Vossos Peitos

Jovens filhos da pátria, em vossos peitos
Depõe a pátria seu porvir de glória:
Revolve sonhos de imortal de imortal memória,
Adejando inquieta em vossos leitos.

De vós espera sublimados feitos,
P’ra ornar de palmas a futura história;
Espera em vós, como espera em Dória,
Dória tão jovem, como vós, nos pleitos.

Atletas do porvir, marchai seguros
Da liberdade à festa sacrossanta,
A levantar-lhe mais altivos muros.

Marchai: – que aos livres nem o céu suplanta,
E o índio do Brasil, sem elmos duros,
No olhar sòmente os déspotas espanta.

Espera…

Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

Miserável

A Carvalho Junior.

O noivo, como noivo, é repugnante:
Materialão, estúpido, chorudo,
Arrotando, a propósito de tudo,
O ser comendador e negociante.

Tem a viuvinha, a noiva interessante,
Todo o arsenal de um poeta guedelhudo:
Alabastro, marfim, coral, veludo,
Azeviche, safira e tutti quanti.

Da misteriosa alcova a porta geme,
O noivo dorme n’um lençol envolto…
Entra a viuvinha, a noiva… Oh, céu, contem-me!

Ela deita-se… espera… Qual! Revolto,
O leito estala… Ela suspira… freme…,
E o miserável dorme a sono solto!…

Por Decoro

Quando me esperas, palpitando amores,
E os grossos lábios úmidos me estendes,
E do teu corpo cálido desprendes
Desconhecido olor de estranhas flores;

Quando, toda suspiros e fervores,
Nesta prisão de músculos te prendes,
E aos meus beijos de sátiro te rendes,
Furtando as rosas as púrpureas cores;

Os olhos teus, inexpressivamente,
Entrefechados, lânguidos, tranquilos,
Olham, meu doce amor, de tal maneira,

Que, se olhassem assim, publicamente,
Deveria, perdoa-me, cobri-los
Uma discreta folha de parreira.

Cantares Bacantes (I)

O mar lava a concha cava
e cava concha lava o mar
como a língua limpa lava
tua concha antes de amar.

Delírio da estrela d’alva
mistério da preamar
vinda e volta abrindo a aldrava
da concha do paladar.

Oh minhas parcas de mel!
Eu me afogo em mar vinho
à espera de algum batel.

Sou cantador de cordel:
estórias sabor marinho
bacantes da moscatel.

Segunda Impaciência Do Poeta

Cresce o desejo, falta o sofrimento,
Sofrendo morro, morro desejando,
Por uma, e outra parte estou penando
Sem poder dar alívio a meu tormento.

Se quero declarar meu pensamento,
Está-me um gesto grave acobardando,
E tenho por melhor morrer calando,
Que fiar-me de um néscio atrevimento.

Quem pretende alcançar, espera, e cala,
Porque quem temerário se abalança,
Muitas vezes o amor o desiguala.

Pois se aquele, que espera se alcança,
Quero ter por melhor morrer sem fala,
Que falando, perder toda esperança.

Esfinge

Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente são a imagem.

Embalo em mim um sonho vão, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!

E à noite, à hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…

E à tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planície enorme…