O Anel de Corina
Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
OvĂdio oscĂşla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.— « Como eu te invejo, ó prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairá, qual Venus, orvalhada,« O dorso e o seio lhe verás de rosas,
« E selarás as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira á pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da lĂngua humedecer-te! »
Sonetos sobre Gemas
9 resultadosInverno
Amanheceu – no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo – ondeia
O perfume da selva esmeraldina.Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d’ouro os verdes da campina.Um sol pagĂŁo, de um louro gema d’ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo
Surge na frĂgida estação do inverno.– Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros – fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espĂrito moderno.
Soneto De Luz E Treva
Ela tem uma graça de pantera
no andar bem comportado de menina
no molejo em que vem sempre se espera
que de repente ela lhe salte em cimaMas sĂşbito renega a bela e a fera
prendeo cabelo, vai para a cozinha
e de um ovo estrelado na panela
ela com clara e gema faz o diaEla Ă© de CapricĂłrnio, eu sou de Libra
eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã
a mim me enerva o ardor com que ela vibraE que a motiva desde de manhĂŁ.
— Como Ă© que pode, digo-me com espanto
a luz e a treva se quererem tanto…
Ergue, Criança, A Fronte Condorina
Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da CiĂŞncia, o rĂştilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sinceroUm peito amigo a outro peito amigo,
A um gĂŞnio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!
O Medo
Que nĂŁo se confunde. Por existir se ganha
e nos pertence. SĂlabas ou linguagem,
busca o centro nas mĂŁos, nos olhos, o contacto
incessante. Percorre os muros da memĂłria,na penumbra da palavra se instala. Nada
partilha. Como um monĂłlogo se mascara
de gemas, rumores e gotas de ervas. Flui
e estilhaça as pálpebras, domina as casas,abala os sismos. Ara o corpo, viva árvore
em ascensĂŁo, ronda a pele e os jorros do ar.
AtĂ© que nos toma e molda o ventre, descobreo preço diário da invisĂvel folhagem
solar. É o que se oculta. Livor, sĂlaba,
margem eterna da inicial prudĂŞncia.
Guerra Junqueiro
Quando ele do Universo o largo supedâneo
Galgou como os clarões — quebrando o que nĂŁo serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crânio,
As gemas da razão e os músculos da verve;Quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
As trompas marciais — as liras do estupendo,
Pejadas de prodĂgios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporções, crescendo e recrescendo;Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular — rasgando das misĂ©rias
O ventre do Ideal na forte hematemese.Clamando — Ă© minha a luz, que o sĂ©culo propague-a,
Quando ele avassalou os pĂncaros da águia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!
Poeira (Para José Felix)
Do pĂł ao pĂłlen posta-se o poema
na penumbra do parto antecipado.
Abre-se uma janela sem algema
presa somente do seu prĂłprio fado.Areia e barro, sol com sua gema,
a gala clara do ovo, visgo dado
ao solo só de vértebras, seu tema
variado na avena: chĂŁo arado.O tropo, o trapo, as vestes: eis aĂ
a massa que caldeia essa bigorna
ensolando alimárias ao se de si.Nada é constante e tudo se transforma.
Eppur si muove em ánima no giz
escrito no vaivém se vai e torna.
A Sesta De Nero
Fulge de luz banhado, esplĂŞndido e suntuoso,
O palácio imperial de pórfiro luzente
E mármor da Lacônia. O teto caprichoso
Mostra, em prata incrustado, o nácar do Oriente.Nero no toro ebĂşrneo estende-se indolente…
Gemas em profusão do estrágulo custoso
De ouro bordado vĂŞem-se. O olhar deslumbra, ardente,
Da púrpura da Trácia o brilho esplendoroso.Formosa ancila canta. A aurilavrada lira
Em suas mãos soluça. Os ares perfumando,
Arde a mirra da Arábia em recendente pira.Formas quebram, dançando, escravas em coréia.
E Nero dorme e sonha, a fronte reclinando
Nos alvos seios nus da lúbrica Popéia.
O Assinalado
Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra Ă© sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas etrenas, pouco a pouco…Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!