Sonetos sobre Estradas

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Sonetos de estradas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ó Virgens!

Ó virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar…

Cantae-me, n’essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!

Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzÔes antigas

Que eu vi morrer n’um sonho, como um ai…
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n’essa voz… Cantae!

Sonetos

Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidÔes remotas,
Batem as asas todos os sonetos.

VĂŁo — por estradas, por difĂ­ceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lĂąmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂ­mpidas, gentis,

Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de ĂĄureos colibris.

MĂĄgoas

Quando nasci, num mĂȘs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existĂȘncia nos verdores
Da infĂąncia nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infĂąncia nunca teve flores!

Volvendo Ă  quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă  Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mĂĄgoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Infeliz

Alma viĂșva das paixĂ”es da vida,
Tu que, na estrada da existĂȘncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂȘncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;

Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă  Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viĂșva das paixĂ”es da vida.

Anima Mea

Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.

Era de ver a fĂșnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»

— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).

Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma jå morreu!»

Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento

Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas ĂĄrvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mĂĄgoa, e sentimento.

As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.

E quanto m’era lĂĄ doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cĂĄ mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.

Em lĂĄgrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.

Beatriz

Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por Ă­nvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, Ă  FernĂŁo Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o ĂŽnix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…

E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressĂĄbios
De amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lĂĄbios
E os dois grandes topĂĄzios dos seus olhos!

Eu

Sou louco e tenho por memĂłria
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitĂłria
Que sonhei ter quando criança.

Depois, malograda trajetĂłria
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.

SĂł guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro sĂł faz rico
Um frio perdido que me cobre

Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inĂștil em que fico
Da estrada certa que nĂŁo sigo.

A uma Rapariga

À Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mĂŁos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longĂ­nqua estrela,
Escava com as mĂŁos a prĂłpria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir Ă  luz a haste duma flor!…

Regina Martyrum

LĂ­rio do CĂ©u, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;

Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sĂłs, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –

SĂȘ tu a mĂŁo que me conduza ao porto…
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!

O Amor E A Morte

(com tema de Augusto dos Anjos)

Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.

O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.

VĂȘ: um dia, a bigorna desses Paços
cortarå, no martelo de seus aços,
e o sangue, hĂŁo de abrasĂĄ-lo os inimigos.

E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirĂĄ, contra nĂłs, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos DragÔes antigos.

Renascimento

A OlegĂĄria Siqueira

Manhã de rosas. Lå no etéreo manto,
O sol derrama lĂșcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! HĂĄ quanto tempo, quanto!
NĂŁo venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando Ă  vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como Ă© suave a voz dos passarinhos
Neste tranqĂŒilo e plĂĄcido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!

Por QuĂȘ ?

Foi tudo uma surpresa, tudo de repente,
talvez nenhum de nĂłs saiba explicar porque,
– vocĂȘ deixou de ser o que era antigamente
e o que era antigamente eu jĂĄ nĂŁo sou, se vĂȘ…

Eu era um seu amigo. E pra mim, vocĂȘ
por muito tempo foi a amiga e a confidente,
– deixei-a ler, assim como um cigano lĂȘ
nas mĂŁos, toda a minha alma indiferentemente…

Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos,
ate que certo dia… (e eu nĂŁo lhe disse nada
nem vocĂȘ disse nada) nĂłs nos afastamos…

Hoje vocĂȘ me evita… Hoje evito a vocĂȘ…
E seguimos entĂŁo, cada um por sua estrada
sem que nenhum de nĂłs saiba explicar porque…

Ela Ia, Tranquila Pastorinha

Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdĂŁo,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hĂĄs de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vĂŁo…
Seu vulto perde-se na escuridĂŁo…
SĂł sua sombra ante meus pĂ©s caminha…

Deus te dĂȘ lĂ­rios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
SerĂĄs, rainha nĂŁo, mas sĂł pastora

SĂł sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Ambos

VĂŁo pela estrada, Ă  margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂ­mpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.

Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as cançÔes e os tropos singulares
Dos inefĂĄveis, meigos passarinhos.

Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.

E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂȘmulos arpejos,
E as reticĂȘncias que produz o vago.

Presença

SĂł saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memĂłria (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa Ă©gua dos minutos,

onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruĂ­da.
Essa presença, em passos e pegadas,

passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,

o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.

A Rua Dos Cataventos – XVII

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadĂĄveres eu sou
O mais desnudo, o que nĂŁo tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como Ășnico bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrÔes de estrada!
Pois dessa mĂŁo avaramente adunca
NĂŁo haverĂŁo de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trĂȘmula e triste como um ai,
A luz de um morto nĂŁo se apaga nunca!

Natal d’um Poeta

Em certo reino, ĂĄ esquina do planeta,
Onde nasceram meus AvĂłs, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fĂŽra nĂŁo a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fĂ©, n’uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D’essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o ZĂ© da Th’reza… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

LĂ­rio Lutuoso

EssĂȘncia das essĂȘncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂ­rio,
Oh! dĂĄ-me a glĂłria de celeste EmpĂ­reo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂ­rio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mĂĄgicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂ­rio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dĂĄ-me a glĂłria do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lĂĄgrimas acerbas do teu luto!.

Alma Serena

Alma serena, a consciĂȘncia pura,
assim eu quero a vida que me resta.
Saudade nĂŁo Ă© dor nem amargura,
dilui-se ao longe a derradeira festa.

NĂŁo me tentam as rotas da aventura,
agora sei que a minha estrada Ă© esta:
difĂ­cil de subir, ĂĄspera e dura,
mas branca a urze, de oiro puro a giesta.

Assim meu canto fĂĄcil de entender,
como chuva a cair, planta a nascer,
como raiz na terra, ĂĄgua corrente.

TĂŁo fĂĄcil o difĂ­cil verso obscuro!
Eu não canto, porém, atrås dum muro,
eu canto ao sol e para toda a gente.