Sonetos sobre Amigos

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Sonetos de amigos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Eu Não Lastimo O Próximo Perigo

Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo.

A prisão não lastimo, outra vez digo,
nem o ver iminente o duro corte,
que é ventura também achar a morte
quando a vida só serve de castigo.

Ah, quão depressa então acabar vira
este enredo, este sonho, esta quimera,
que passa por verdade e é mentira!

Se filhos, se consorte não tivera
e do amigo as virtudes possuíra,
um momento de vida eu não quisera.

Tanto Mais Vives Quanto Mais te Estreitas

A UM AMIGO QUE RETIRADO DA CORTE PASSOU A SUA VIDA

Ditoso tu, porque em tua cabana,
moço e velho espiraste a brisa pura,
servindo-te de berço e sepultura
de palha o tecto, o solho de espadana.

Na solidão em que, livre, se ufana
silente sol com chama mais segura,
cada um dos dias mais espaço dura,
e a hora, sem ter voz, te desengana.

Tu não contas por cônsules os anos;
teu calendário fazem-no as colheitas;
pisas todo o teu mundo sem enganos.

De tudo quanto ignoras te aproveitas;
prémios não buscas nem padeces danos,
tanto mais vives quanto mais te estreitas.

Tradução de José Bento

Bom Dia, Amigo Sol!

Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara,
– deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entre! Vem surpreendê-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara…
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne é branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho…
Que não repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços…

Entra! Só tu possuis esse direito,
– de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!…

Pacto Das Almas (III) Alma Da Almas

Alma da almas, minha irmã gloriosa,
Divina irradiação do Sentimento,
Quando estarás no azul Deslumbramento,
Perto de mim, na grande Paz radiosa?!

Tu que és a lua da Mansão de rosa
Da Graça e do supremo Encantamento,
O círio astral do augusto Pensamento
Velando eternamente a Fé chorosa,

Alma das almas, meu consolo amigo,
Seio celeste, sacrossanto abrigo,
Serena e constelada imensidade,

Entre os teus beijos de eteral carícia,
Sorrindo e soluçando de delícia,
Quando te abraçarei na Eternidade?!

Amiga

Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…

Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…

Soneto Já Antigo

Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de

Londres p’ra Iorque, onde nasceste (dizes…
que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,

Embora não o saibas, que morri…
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará… Depois vai dar

a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande…
Raios partam a vida e quem lá ande!

A Felício Dos Santos

Felício amigo, se eu disser que os anos
Passam correndo ou passam vagarosos,
Segundo são alegres ou penosos,
Tecidos de afeições ou desenganos,

“Filosofia é esta de rançosos!”
Dirás. Mas não há outra entre os humanos.
Não se contam sorrisos pelos danos,
Nem das tristezas desabrocham gozos.

Banal, confesso. O precioso e o raro
É, seja o céu nublado ou seja claro,
Tragam os tempos amargura ou gosto,

Não desdizer do mesmo velho amigo,
Ser com os teus o que eles são contigo,
Ter um só coração, ter um só rosto.

Dedicatória

Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face;

E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos… Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos;

Amigo! tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando – deste grupo bem no meio –

Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido, o mais feio.

Comunhão

Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nós vagaram,
Quantos as mãos incertas levantaram
Sob este mesmo céu de luz austera!…

— Luz morta! amarga a própria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes só por instinto, e se apoiaram
Na obscura e heróica fé, que os retempera…

E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,

Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos.

Quando Me Ergui Ela Dormia, Nua

Quando me ergui ela dormia, nua
E sorria, em seu sono desmaiada
Tinha a face longínqua e iluminada
E alto, sseu sexo sugava a Lua.

Toquei-a, ela fremiu, gemeu, na sua
Doce fala, e bateu a mão alçada
No ar, e foi deixá-la de guardada
Sob a nádega fria, forte e crua

Tão louca a minha amiga, linda e louca
Minha amiga, em seu branco devaneio
De mim, eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado sem receio
Um segredo de carne em sua boca
E uma gota de leite no seu seio

Vão-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos

Vão-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nítidas faíscas
E no esplendor de irradiações mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.

Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do céu se perdem nos profundos limbos.

A natureza pulsa como a forja…
Pássaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.

A grande artéria dos assombros pula…
E do oxigênio, a força que regula
Enche os pulmões a largas baforadas.

Ah! Os Relógios

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…

Outono

Com a carga de frutos maus maduros,
Nessa estação viril entrei do Outono.
Bradou-me o Desengano, de seu trono:
«Larga os pomos que trazes, tão impuros!

«Não soubeste colher outros mais puros,
«Desgraçado mortal, frouxo colono?
«Isso é que hás-de oferecer da vida ao Dono?
«Um mau agricultor tem maus futuros.

«Pois que inda tens vigor, tem mais juizo!»
O Desengano amigo me dizia.
Mas eu, surdo me fiz ao sábio aviso,

As rédeas não colhi da fantasia,
Deixei corrê-la à solta, sem mais siso,
Pois isso frutos podres só colhia.

Aspiração Suprema

Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frágil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.

Tem ais de dor de trêmulo mendigo
Oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
D’estrelas, como etéreo e louro trigo.

E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…

Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.

Desesperança

Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d’uma hora,
Que abracei com delírio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele… e passa.

Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora
D’essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue á mesma taça!

Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E só engano nunca a desventura!

Se era silêncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, ó alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!

A Rua Dos Cataventos – X

Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos…
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos…
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!

“Meu Deus! Mas tu não tu não mudas o programa!”
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
“Que tédio!” o coro dos Amigos clama.

“Mas que vos dar de novo e de imprevisto?”
Digo… e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar… eu sei sofrer… Só isto!”

Espera…

Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

Senhora II

No calmo colo meus segredos pouso
Senhora que cavalga meu sendeiro.
Convoco vossa ajuda neste escorço
para viver a vida por inteiro.

Não sei se o vero verbo em que repouso
vem me afogar no mais turvo atoleiro
mas sei pela certeza que em meu fosso
nunca se afunda o trato companheiro.

Meu rosto depressivo de exilado
alberga-se em vossa aura na fadiga
trazendo o sal dos olhos marejados.

Águas que são garoa da cantiga
de recorrentes gotas despejadas
as vossas mãos regando, amada e amiga.

Para Quê?

Ao velho amigo João

Para quê ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angústia estranha

E todo este feitiço e este enredo
Do nosso próprio peito? E é tamanha
E tão profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?

Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cântico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?

Para quê ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vão nas sílabas dum verso?

Por Quê ?

Foi tudo uma surpresa, tudo de repente,
talvez nenhum de nós saiba explicar porque,
– você deixou de ser o que era antigamente
e o que era antigamente eu já não sou, se vê…

Eu era um seu amigo. E pra mim, você
por muito tempo foi a amiga e a confidente,
– deixei-a ler, assim como um cigano lê
nas mãos, toda a minha alma indiferentemente…

Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos,
ate que certo dia… (e eu não lhe disse nada
nem você disse nada) nós nos afastamos…

Hoje você me evita… Hoje evito a você…
E seguimos então, cada um por sua estrada
sem que nenhum de nós saiba explicar porque…