Sonetos sobre Neve

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Sonetos de neve escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Anjo Da Redenção

Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mĂŁo de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sĂłis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.

Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do Ăłdio bifronte, torso, torvo e duro.

Maravilhas nos olhos e prodĂ­gios
Nos olhos, chega dos azuis litĂ­gios
Desce Ă  tua caverna de bandido.

E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!

Paisagens De Inverno I

Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! – o sol! Volvei, noites de paz.

Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ă“ meus olhos, cismai como os velhinhos.

Extintas primaveras evocai-as:
– Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias.-

Sossegai, esfriai, olhos febris.
-E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…-

A Beleza

De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor’ de Carrara

Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que Ă© rir, nem sei o que Ă© chorar.

O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..

Tenho, p’ra fascinar o meu dĂłcil amante,
Espelhos de cristal, que tornaram deslumbrante
A própria imperfeição: — os meus olhos ardentes!

Tradução de Delfim Guimarães

Repouso na Alegria Comedido

Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraĂ­so;
Entre rubis e perlas, doce riso,
Debaixo de ouro e neve, cor-de-rosa;

Presença moderada e graciosa,
Onde ensinando estĂŁo despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser formosa;

Fala de que ou já vida, ou morte pende,
Rara e suave, enfim, Senhora, vossa,
Repouso na alegria comedido:

Estas as armas sĂŁo com que me rende
E me cativa Amor; mas nĂŁo que possa
Despojar-me da glĂłria de rendido.

Primeira ComunhĂŁo

Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
VĂ©us e grinaldas purificadores,
VĂŁo as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.

Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prĂ´nubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve…

Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhĂŁo das nĂ­veas hĂłstias frias…

Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volĂşpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…

II

MĂŁos de finada, aquelas mĂŁos de neve,
De tons marfĂ­neos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
MĂŁos que consagram, mĂŁos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica…

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mĂŁos que vĂŞm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas…

Senhora minha, se de pura inveja

Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,

NĂŁo me pode tolher que vos nĂŁo veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.

Nela vos vejo, e vejo que nĂŁo nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.

Os lĂ­rios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!

Os HiperbĂłreos

Cabeça erguida, o céu no olhar, que o céu procura,
Baixa o humano caudal, dos desertos de gelo…
Em farrapos, ao sol, derrete-se a brancura
Da neve boreal sobre o ouro do cabelo.

Ulula, e desce; e tudo invade: a atra espessura
Dos bosques entra, a urrar e a uivar. E, uivando, pelo
Continente, a descer, ganha a Ăşmida planura,
E a brenha secular, em sonoro atropelo.

Assustam-se os chacais pelas selvas serenas.
A turba ulula, o druida canta, enchendo os ares.
Entre os uivos dos cĂŁes e o grunhido das renas…

Escutando o tropel, rincha o poldro, e galopa.
Derrama-se, a rugir, das geleiras polares,
A semente feraz dos Bárbaros, na Europa…

Tulipa Real

Carne opulenta, majestosa, fina,
Do sol gerada nos febris carinhos,
Há músicas, há cânticos, há vinhos
Na tua estranha boca sulferina.

A forma delicada e alabastrina
Do teu corpo de lĂ­mpidos arminhos
Tem a frescura virginal dos linhos
E da neve polar e cristalina.

Deslumbramento de luxĂşria e gozo,
Vem dessa carne o travo aciduloso
De um fruto aberto aos tropicais mormaços.

Teu coração lembra a orgia dos triclĂ­nios…
E os reis dormem bizarros e sangĂĽĂ­neos
Na seda branca e pulcra dos teus braços.

Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza…

O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estĂŁo nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza…

Chuva…tenho tristeza! Mas porquĂŞ?!
Vento…tenho saudades! Mas de quĂŞ?!
Ă“ neve que destino triste o nosso!

Ă“ chuva! Ă“ vento! Ă“ neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu nĂŁo posso !!…

Pedes a Deus Quanto a ti te Quitas

QUE COM OS SEUS EXCESSOS ACELERAM A DOENÇA E A VELHICE

Que os anos sobre ti voem bem leves,
pedes a Deus; e que o rosto as pegadas
deles nĂŁo sinta, e Ă s grenhas bem penteadas
nĂŁo transmita a velhice suas neves.

Isto lhe pedes, e bĂŞbedo bebes
as vindimas em taças coroadas;
e pra teu ventre todas as manadas
que ApĂşlia pastam sĂŁo bocados breves.

Pedes a Deus quanto a ti te quitas;
a enfermidade e a velhice tragas
e estar isento delas solicitas.

Mas em rugosa pele dĂ­vidas pagas
das grandes bebedeiras que vomitas,
e na saĂşde que, comilĂŁo, estragas.

Tradução de José Bento

Velando

Junto dela, velando… E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar Ă© um lago
Em que um lĂ­rio alvorece reflectido…

Vejo-a dormir e sonho… SĂł de vĂŞ-la
Meu olhar se perfuma e em minha vista
Há todo um céu de Amor a estremecê-la
E a devoção ansiosa dum Artista…

– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
Das montanhas do céu, – ó sono leve,
Hálito de jasmim, lĂ­rio, luar…

Respiração de flor, doçura, prece…
-Ă“ rouxinĂłis, calai! Fonte, adormece!…
SenĂŁo o meu Amor pode acordar!…

Ardor Em Firme Coração Nascido

Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se Ă©s fogo, como passas brandamente,
Se Ă©s neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

XV

Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquelas.

Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capelas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lĂşbricas e belas…

Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram… e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixĂŁo deixaram.

Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tĂŁo cheio
De luz tĂŁo viva, que abrasasse tanto.

Cabelos Brancos

Cobrem-me as fontes já cabelos brancos,
NĂŁo vou a festas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.

Cabelos brancos, vá, sejamos francos,
Minha inocĂŞncia quando os encontrou
Era um mistério vê-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avĂ´.

Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;

E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doĂ­a vĂŞ-los …
E fiquei sempre triste de criança.

Mocidade

Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusões, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…

Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
Páramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂŞ do futuro o mais alegre esboço…

Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂŞndio…

Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂŞndio!

Lágrimas de Honesta Piedade e Imortal Contentamento

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faĂ­scas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.

A vista, que em si mesma nĂŁo se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que Ă© verdade.

Olhai como Amor gera, em um momento,
De lágrimas de honesta piedade
Lágrimas de imortal contentamento.

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chĂŁo de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Inania Verba

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca nĂŁo diz, o que a mĂŁo nĂŁo escreve?
– Ardes, sangras, pregada a’ tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava…

O Pensamento ferve, e Ă© um turbilhĂŁo de lava:
A Forma, fria e espessa, Ă© um sepulcro de neve…
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e dano, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

Dos Mais Fermosos Olhos

Dos mais fermosos olhos, mais fermoso
Rosto, que entre nós há, do mais divino
Lume, mais branca neve, ouro mais fino,
Mais doce fala, riso mais gracioso:

Dum Angélico ar, de um amoroso
Meneio, de um esprito peregrino
Se acendeu em mim o fogo, de que indigno
Me sinto, e tanto mais assi ditoso.

Não cabe em mim tal bem-aventurança.
É pouco uma alma só, pouco uma vida,
Quem tivesse que dar mais a tal fogo!

Contente a alma dos olhos água lança
Pelo em si mais deter, mas Ă© vencida
Do doce ardor, que nĂŁo obedece a rogo.