Sonetos sobre IncĂȘndio

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Sonetos de incĂȘndio escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

LIV

Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incĂȘndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cĂ­tara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.

Se vĂłs, glĂłrias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
NĂŁo ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.

Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tĂŁo livre de vĂłs, que da saudade
NĂŁo receia abrasar-se no tormento.

Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.

XL

Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que nĂŁo seja funesta, triste, e escura!

A apagar os incĂȘndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glĂłria infinita,
Outra igual que esperança me assegura!

Jå de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipĂ­cio encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.

Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alĂ­vio posso dar a meu cuidado!

O IncĂȘndio De Roma

Raiva o incĂȘndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço adormecido
De eco em eco acordando ao medonho estampido,
Como a um sopro fatal, rolam esfaceladas.

E os templos, os museus, o CapitĂłlio erguido
Em mĂĄrmor frĂ­gio, o Foro, as erectas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas
Do incĂȘndio cingem, tudo esbroa-se partido.

Longe, reverberando o clarĂŁo purpurino,
Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte.
Impassível, porém, no alto do Palatino,

Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma
Entre os libertos, e Ă©brio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.

Ardor Em Firme Coração Nascido

Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
IncĂȘndio em mares de ĂĄgua disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se Ă©s fogo, como passas brandamente,
Se Ă©s neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

Justitia Mater

Nas florestas solenes hĂĄ o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:

No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D’um deus que luta, poderoso e inculto.

Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue medida, a revolta,
Como incĂȘndio que um vento bravo atiça,

HĂĄ mais alta missĂŁo, mais alta glĂłria:
O combater, Ă  grande luz da histĂłria,
Os combates eternos da Justiça!

Um Soneto

A vez primeira que eu te vi, em meio
Das harmonias de uma valsa, elado
O lĂĄbio trĂȘmulo, esplĂȘndido, rosado,
Num riso, um riso de alvoradas cheio.

Cheio de febres, em febril anseio
O meu olhar fervente, desvairado
Como um condor de flamas emplumado
Vingou-se a espĂĄdua e devorou-te o seio.

Depois, delĂ­rio atroz, loucura imensa!
A alma, o bem, a consciĂȘncia, a crença
Lancei no incĂȘndio dos olhares teus…

Hoje estou pronto Ă  lĂ­vida jornada
Da descrença sem luz, da dor do nada…
JĂĄ disse ontem Ă  noite, adeus, a Deus!

Mocidade

Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusÔes, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…

Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
PĂĄramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂȘ do futuro o mais alegre esboço…

Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂȘndio…

Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂȘndio!

Amoroso Desdém num Belo Agrado

Amoroso desdém num belo agrado,
No mais duro ferir um doce jeito,
Tirania suave em brando aspeito,
Olhos de fogo em coração nevado,

No vestir um asseio descuidado,
IngratidĂŁo amĂĄvel no respeito,
O brio, a graça, o riso em um sujeito,
Variamente com o grave misturado.

Animado primor da formosura,
Luzido discursar de engenho agudo,
Custosa luz, incĂȘndio pretendido,

Alma no talhe, garbo na postura,
Capricho no cuidado, ar no descuido,
Armas sĂŁo com que amor me tem rendido.

Eu nĂŁo Sou de Ferro

Nize, eu nĂŁo sou de ferro, e atenuado,
Ainda que o fora, o uso me teria;
Porque enfim do trabalho na porfia
Se consome o metal mais obstinado.

Instrumento não hå tão reforçado,
Que resista do tempo Ă  bataria:
Gasta o martelo a safra, e a terra fria
Pouco a pouco consome o curvo arado.

Tudo assim Ă©: o amor o mais ardente,
No contĂ­nuo incĂȘndio se evapora;
E o mesmo me acontece ultimamente.

Outro procura pois; e te melhora
De amante, ou mais afouto, ou mais valente;
Que eu jĂĄ nĂŁo posso mais; fica-te embora.

Glosa

Quem me roubou a minha dor antiga,
E sĂł a vida me deixou por dor?
Quem, entre o incĂȘndio da alma em que o ser periga,
Me deixou sĂł no fogo e no torpor?

Quem fez a fantasia minha amiga,
Negando o fruto e emurchecendo a flor?
Ninguém ou o Fado, e a fantasia siga
A seu infiel e irreal sabor…

Quem me dispĂŽs para o que nĂŁo pudesse?
Quem me fadou para o que não conheço
Na teia do real que ninguém tece?

Quem me arrancou ao sonho que me odiava
E me deu só a vida em que me esqueço,
“Onde a minha saudade a cor se trava ?”

À Fragilidade da Vida Humana

Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nĂĄcar em cinzas desatado
Foi vistoso pavĂŁo de Abril florido;
Esse estio em vesĂșvios encendido
Foi ZĂ©firo suave em doce agrado.

Se a nau, o sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego imortal, e considera
Que Ă©s rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incĂȘndio, estrago.

XII

Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho Ă  sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ĂĄsperos oiteiros,
Com violĂȘncia maior no campo ardia.

Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.

Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.

Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tĂŁo penetrante,
Onde maior incĂȘndio a alma abrasava.