Sonetos sobre Capricho

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Sonetos de capricho escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Anarda Temerosa De Um Raio

Bramando o céu, o céu resplandecendo,
belo a um tempo se via, e rigoroso,
em fugitivo ardor o céu lustroso,
em condensada voz o céu tremendo.

Gira de um raio o golpe, não sofrendo
o capricho de uma árvore frondoso:
que contra o brio de um subir glorioso
nunca falta de um raio o golpe horrendo.

Anarda vendo o raio desabrido,
por altiva temeu seu golpe errante,
mas logo o desengano foi sabido.

Não temas (disse eu logo) o fulminante:
que nunca ofende o raio ao céu luzido,
que nunca teme ao raio o sol brilhante.

A concha

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhadosa de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa… Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.

Surpresa

Começamos assim: – eu, tendo em mente
fingir gostar apenas: namorar,
como chamam na vida comumente
aos primeiros encontros de algum par…

Tu, disposta a prender-me ao teu olhar
por um mero capricho e, fatalmente,
depois que eu me curvasse a te adorar
trocar-me-ias por outro facilmente…

Começamos assim – logo, no entanto
– aquilo que pensei, não consegui,
nem conseguiste o que querias tanto…

E afinal – que belíssima surpresa!…
– Eu, de tanto fingir: – gostei de ti,
tu, querendo prender: – ficaste presa!…

Amoroso Desdém num Belo Agrado

Amoroso desdém num belo agrado,
No mais duro ferir um doce jeito,
Tirania suave em brando aspeito,
Olhos de fogo em coração nevado,

No vestir um asseio descuidado,
Ingratidão amável no respeito,
O brio, a graça, o riso em um sujeito,
Variamente com o grave misturado.

Animado primor da formosura,
Luzido discursar de engenho agudo,
Custosa luz, incêndio pretendido,

Alma no talhe, garbo na postura,
Capricho no cuidado, ar no descuido,
Armas são com que amor me tem rendido.

Salomé

Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua…
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo…

Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas…
O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou…
Tenho frio… Alabastro!… A minh’Alma parou…
E o seu corpo resvala a projectar estátuas…

Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecôa-me em quebranto…
Timbres, elmos, punhais… A doida quer morrer-me:

Mordoura-se a chorar–ha sexos no seu pranto…
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na bôca imperial que humanisou um Santo…

Soneto Da Desesperança

De não poder viver sua esperança
Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho
Secreto, onde ao sabor do seu capricho
Fugisse a vê-la como uma criança.

Tão cauteloso fez-se em seus cuidados
De não mostrá-la ao mundo, que a queria
Que por zelo demais, ficaram um dia
Irremediavelmente separados.

Mas eram tais os seus ciúmes dela
Tão grande a dor de não poder vivê-la,
Que em desespero, resolveu-se: – Mato-a!

E foi assim que triste como um bicho
Uma noite subiu até o nicho
E abriu o coração diante da estátua.