Sonetos sobre InocĂȘncia

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Sonetos de inocĂȘncia escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

IndependĂȘncia

Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me Ă s verdades acabadas;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas.

Recuso-me Ă s espadas que nĂŁo ferem
e Ă s que ferem por nĂŁo serem dadas.
Recuso-me aos eus-prĂłprios que vierem
e Ă s almas que jĂĄ foram conquistadas.

Recuso-me a estar lĂșcido ou comprado
e a estar sozinho ou estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

Recuso-me Ă  inocĂȘncia e ao pecado
como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, Ăł Terra dividida!

XIV

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondĂȘncia,
Ou desconhece o rosto da violĂȘncia,
Ou do retiro a paz nĂŁo tem provado.

Que bem Ă© ver nos campos transladado
No gĂȘnio do pastor, o da inocĂȘncia!
E que mal Ă© no trato, e na aparĂȘncia
Ver sempre o cortesĂŁo dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um sĂł trata a mentira, outro a verdade.

Ali não hå fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, Ă© variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

A concha

A minha casa Ă© concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciĂȘncia:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros sĂł areia e ausĂȘncia.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocĂȘncia
Se Ă s vezes dĂĄ uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhadosa de vidro, e escadarias
FrĂĄgeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa… Mas Ă© outra a histĂłria:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memĂłria.

A InocĂȘncia

Caminhando no mundo vai segura
A InocĂȘncia, com grave firme passo.
Sem temor de cair no infame laço
Que arma a traidora mĂŁo, a mĂŁo perjura.

Como nĂŁo obra mal, nem mal procura
Para os seus semelhantes, corre o espaço
Sem lança, sem arnĂȘs, sem peito de aço,
Armada sĂł de consciĂȘncia pura.

Pois que ofensa nĂŁo faz, nĂŁo teme ofensa
E por isso passeia, satisfeita,
Sem as feras temer na selva densa.

TraiçÔes, ódios, vinganças não espreita.
Certa no bem que faz, sĂł nele pensa:
Quem remorsos nĂŁo tem, mal nĂŁo suspeita.

Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente

Como fizeste, Ăł Porcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
É que Amor fazer sĂł quis experiĂȘncia
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?

E com teu prĂłprio sangue te convida
A que faças Ă  morte resistĂȘncia?
É que costume faço da paciĂȘncia,
Porque o temor morrer me nĂŁo impida.

Pois porque estĂĄs comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada nĂŁo se sente,
E nĂŁo quero eu a morte sem a pena.

Primeiras VigĂ­lias

Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lĂąnguido cĂĄlix todo aberto.

Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂ­neas formas ondulosas;
E eu a idear, nas Ăąnsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.

E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visĂ”es da adolescĂȘncia,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!

Fervem paixÔes despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂ­nea da inocĂȘncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”

Cabelos Brancos

Cobrem-me as fontes jĂĄ cabelos brancos,
NĂŁo vou a festas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.

Cabelos brancos, vĂĄ, sejamos francos,
Minha inocĂȘncia quando os encontrou
Era um mistĂ©rio vĂȘ-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avĂŽ.

Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;

E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doĂ­a vĂȘ-los …
E fiquei sempre triste de criança.

O Futuro Perfeito

À minha neta Anica

A neta explora-me os dentes,
Penteia-me como quem carda.
Terra da sua experiĂȘncia,
Meu rosto diverte-a, parda
Imagem dada Ă  inocĂȘncia.

Finjo que lhe como os dedos,
Fura-me os olhos cansados,
Intima aos meus prĂłprios medos
Deixa-mos sossegados.

E tira, tira puxando
Coisas de mim, divertida.
Assim me vai transformando
Em tempo da sua vida.

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 3

Enganei-me, enganei-me – paciĂȘncia!
Acreditei Ă s vezes, cri, Ormia,
Que a tua singeleza igualaria
A tua mais que angĂ©lica aparĂȘncia.

Enganei-me, enganei-me – paciĂȘncia!
Ao menos conheci que nĂŁo devia
PĂŽr nas mĂŁos de uma externa galhardia
O prazer, o sossego e a inocĂȘncia.

Enganei-me, cruel, com teu semblante,
E nada me admiro de faltares,
Que esse teu sexo nunca foi constante.

Mas tu perdeste mais em me enganares:
Que tu nĂŁo acharĂĄs um firme amante,
E eu posso de traidoras ter milhares.

Como Fizeste, PĂłrcia, Tal Ferida?

Como fizeste, PĂłrcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
-Mas foi fazer Amor experiĂȘncia
se podia sofrer tirar me a vida.

-E com teu prĂłprio sangue te convida
a nĂŁo pores Ă  vida resistĂȘncia?
-Ando me acostumando Ă  paciĂȘncia,
porque o temor a morte nĂŁo impida.

-Pois porque comes, logo, fogo ardente,
se a ferro te costumas?-Porque ordena
Amor que morra e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
-Si: que a dor costumada nĂŁo se sente;
e eu nĂŁo quero a morte sem a pena.

NĂŁo Ser

Quem me dera voltar Ă  inocĂȘncia
Das coisas brutas, sĂŁs, inanimadas,
Despir o vĂŁo orgulho, a incoerĂȘncia:
– Mantos rotos de estĂĄtuas mutiladas!

Ah! arrancar Ă s carnes laceradas
Seu mĂ­sero segredo de consciĂȘncia!
Ah! poder ser apenas florescĂȘncia
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostĂĄlgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plĂĄcidos, absortos
Na mĂĄgica tarefa de viver!

Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de oiro duma flor aberta!…

RĂșstica

Da casinha, em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirĂŁo na ĂĄgua clara e sonora.
Este Ă© o ninho feliz e obscuro em que ela mora;
Além, o seu quintal, este, o seu aposento.

Vem do campo, a correr; e Ășmida do relento,
Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora
Que parece trazer consigo, lĂĄ de fora,
Na desordem da roupa e do cabelo, o vento…

E senta-se. CompÔe as roupas. Olha em torno
Com seus olhos azuis onde a inocĂȘncia bĂłia;
Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno,

Pegando da costura Ă  luz da clarabĂłia,
PÔe na ponta do dedo em feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensĂŁo de jĂłia.

Amor

A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e nĂŁo olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.

Depois, a vide do desejo enlaça
Numa sĂł volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se Ă  verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.

É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condĂŁo vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciĂȘncia.

E abraçam-se de novo, jå sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocĂȘncia.