Sonetos sobre Bichos

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Sonetos de bichos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A concha

A minha casa Ă© concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciĂȘncia:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros sĂł areia e ausĂȘncia.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocĂȘncia
Se Ă s vezes dĂĄ uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhadosa de vidro, e escadarias
FrĂĄgeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa… Mas Ă© outra a histĂłria:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memĂłria.

Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda

Quantos caminhos nĂŁo fizemos juntos
Neruda, meu irmĂŁo, meu companheiro…
Mas este encontro sĂșbito, entre muitos
NĂŁo foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cĂłleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!

Soneto Do Amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliaçÔes, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com os olhos que contem o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual Ă  mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida nĂŁo explica
Que sĂł se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…

Curta Pavana

O dorso que se curva arco elegante
desenha na memória a leve dança
da bailarina grĂĄcil, celebrante
de rito sedutor, que me balança

toda vez que me vejo tĂŁo distante,
torcendo meus desejos na lembrança
dos momentos vividos, no constante
aprendizado vasto da mudança.

Posto que a vida corre em curtas curvas,
transitĂłria paisagem, vĂĄrio atalho
que vai modificando linhas turvas.

Mutante claridade me agasalha:
no casulo do gozo de sussurros
sei-me bicho saĂ­do dessa malha.

Ai de Mim!

Venho, torna-me velho esta lembrança!
D’um enterro d’anjinho, nobre e puro:
Infancia, era este o nome da criança
Que, hoje, dorme entre os bichos, lĂĄ no escuro…

Trez anjos, a Chymera, o Amor, a Esperança
Acompanharam-n’o ao jazigo obscuro,
E recebeu, segundo a velha usança,
A chave do caixĂŁo o meu Futuro.

Hoje, ambulante e abandonada Ermida,
Leva-me o fado, å bruta, aos empurrÔes,
Vå para a frente! Marcha! Á Vida! Á Vida!

Que hei-de fazer, Senhor! o qu’Ă© que espera
Um bacharel formado em illuzÔes
Pela Universidade da Chymera?

A Meu Pai Depois De Morto

Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra.
Em seus lĂĄbios que os meus lĂĄbios osculam
Micro-organismos fĂșnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.

Duras leis as que os homens e a hĂłrrida hidra
A uma sĂł lei biolĂłgica vinculam,
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!…

Podre meu Pai! E a mĂŁo que enchi de beijos
RoĂ­da toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgĂ­acos festins!…

Amo meu Pai na atĂŽmica desordem
Entre as bocas necrĂłfagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… nĂŁo cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiĂșde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

Beijo a Beijo

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delĂ­cias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carĂ­cias.

As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silĂȘncios
a ecoar no som dos precipĂ­cios.

E tudo o que me dĂĄs eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

Uma AusĂȘncia de Mim

Uma ausĂȘncia de mim por mim se afirma.
E, partindo de mim, na sombra sobre
o chĂŁo que nĂŁo foi meu, na relva simples
o outro ser que sonhei se deita e cisma.

Sonhei-o ou me sonhei? Sonhou-me o outro
— e o mundo a circundar-me, o ar, as flores,
os bichos sob o sol, a chuva e tudo —
ou foi o sonho dos demais que sonho?

A epiderme da vida me vestiu,
ou breve imaginar de um Ăłcio inĂștil
ergueu da sombra a minha carne, ou sou

um casulo de tempo, o centro e o sopro
da cisma do outro ser que de mim fala
e que, sonhando o mundo, em mim se acaba.

Teoria do Amor

Amor Ă© mais do que dizer.
Por amor no teu corpo fui além
e vi florir a rosa em todo o ser
fui anjo e bicho e todos e ninguém.

Como Bernard de Ventadour amei
uma princesa ausente em Tripoli
amada minha onde fui escravo e rei
e vi que o longe estava todo em ti.

Beatriz e Laura e todas e sĂł tu
rainha e puta no teu corpo nu
o mar de ItĂĄlia a LĂ­bia o belvedere.

E quanto mais te perco mais te encontro
morrendo e renascendo e sempre pronto
para em ti me encontrar e me perder.

Soneto Da Desesperança

De não poder viver sua esperança
Transformou-a em estĂĄtua e deu-lhe um nicho
Secreto, onde ao sabor do seu capricho
Fugisse a vĂȘ-la como uma criança.

TĂŁo cauteloso fez-se em seus cuidados
De nĂŁo mostrĂĄ-la ao mundo, que a queria
Que por zelo demais, ficaram um dia
Irremediavelmente separados.

Mas eram tais os seus ciĂșmes dela
TĂŁo grande a dor de nĂŁo poder vivĂȘ-la,
Que em desespero, resolveu-se: – Mato-a!

E foi assim que triste como um bicho
Uma noite subiu até o nicho
E abriu o coração diante da eståtua.