Sonetos sobre Mocidade de Florbela Espanca

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Sonetos de mocidade de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Nocturno

Amor! Anda o luar todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!

E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!

Minh’alma, que eu te dei, cheia de mágoas,
E nesta noite o nenĂşfar dum lago
‘Stendendo as asas brancas sobre as águas!

Poisa as mĂŁos nos meus olhos com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…

VolĂşpia

No divino impudor da mocidade,
Nesse ĂŞxtase pagĂŁo que vence a sorte,
Num frĂŞmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido Ă  morte!

A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
– Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volĂşpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
VĂŁo-te envolvendo em cĂ­rculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…

A Minha Tragédia

Tenho Ăłdio Ă  luz e raiva Ă  claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ă“ minha vĂŁ, inĂştil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …

Eu nĂŁo gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …

Pior Velhice

Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso sĂŁo andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!

A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mĂ­stica de louca
MartĂ­rios sĂł poisou a emurchecer!

E dizem que sou nova… A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!

Tenho a pior velhice, a que Ă© mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova… outrora…

Mocidade

A mocidade esplĂŞndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vĂŞ num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espĂ­rito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmĂŁ tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tĂŁo pequeno… e a vida, água a fugir…

Em VĂŁo

Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que nĂŁo diz onde vai nem donde vem.

Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
a flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!

E eu quero bem a tudo, a toda gente…
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!

E tem passado, em vĂŁo, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!

RenĂşncia

A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mĂŁos em cruz…

Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
E como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela Ă© como um rio de luz…

Fecha os teus olhos bem! NĂŁo vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!

Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ă“ minha mocidade toda em flor!

Dizeres ĂŤntimos

É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade! …)
As minhas mĂŁos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebĂŞs doentes
Que hĂŁo-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo Ă© ter-se o ParaĂ­so,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e trĂŞs anos … (Sou tĂŁo nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida! …”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”