Sonetos sobre Olhar de Cruz e Souza

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Sonetos de olhar de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Serpente De Cabelos

A tua trança negra e desmanchada
Por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
Claro, radiante de esplendor e viço,
Ah! lembra a noite de astros apagada.

LuxĂşria deslumbrante e aveludada
Através desse mármore maciço
Da carne, o meu olhar nela espreguiço
Felinamente, nessa trance ondeada.

E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
Dentre a vertigem tĂşrbida dos zeros.

És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!…

O Seu Boné

Ă€ atriz Adelina Castro

É um boné ideal, de feltros e de plumas,
Que ela usa agora, assim como um turbante
Turco, aveludado, doce como algumas
Nuvens matinais que rolam no levante.

Lembro quando ao vĂŞ-lo a rubra marselhesa,
Lembro sensações e cousas de prodígio
E penso que ele tem a máscula grandeza
Desse sedutor, vital barrete frĂ­gio!…

Ă€s vezes meu olhar medindo-lhe o contorno
E a flácida plumagem que serve-lhe d’adorno,
— satânico, voraz, esplĂŞndido de fĂ©!

Exclama num idílio cândido e singelo,
Por entre as convulsões artĂ­sticas do Belo; —
Oh! tem coração e alma, esse bonĂ©!…

Doente Variação

As unhas perigosas da bronquite
Nas tuas carnes flácidas e moles,
NĂŁo deixarĂŁo que o teu amor palpite,
Nem que os olhares pela esfera roles…

É fatal a molĂ©stia — sĂł permite
Que te acabes por fim, e que te estioles,
Sem que em teu peito um coração se agite,
Sem que te animes, sem que te consoles.

Vai-se extinguindo a polpa dessas faces!
Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
Como no tempo musical de outrora,

Me seguirias com pequeno esforço,
Das serranias através do dorso,
Pela saúde dos vergéis afora!

Boca Imortal

Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ă“ fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.

Teu olhar dá-me febre e dá-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixĂŁo que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.

Mas a boca produz tais sensações de morte,
O teu riso, afinal, Ă© tĂŁo profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raĂ­zes;

Rigolboche do tom, Ăł flor pompadouresca!
Que és, para mim, no mundo, a trágica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!

ApĂłs O Noivado

Em flácido divã ela resvala
Na alcova — bem feliz, alegremente,
E o fresco penteador alvinitente,
De nardo e benjoim o aroma exala.

E o noivo todo amor, assim lhe fala,
Por entre vibrações do olhar ardente:
Pertences-me afinal, pomba dormente
Parece que a razĂŁo de gozo, estala.

Mas eis — corre-se entĂŁo nĂ­vea cortina:
E a plácida, a ideal, a branca lua
Derrama nos vergĂ©is a luz divina…

Depois… Oh! Musa audaz, ousada, e nua,
Não rompas esse véu de gaze fina
Que encerra um madrigal — Vamos… recua!…

Abrigo Celeste

Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.

Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que Ă©s a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.

Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres sĂł encontra joio
Mas sĂł no teu todo o divino trigo.

Sou como um cego sem bordĂŁo de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.

O Sonho Do AstrĂłlogo

As fulgurosas, rĂştilas estrelas
Como mundos de mundos seculares,
Formando uns arquipélagos, uns mares
De luz — como eu deslumbro o olhar ao vĂŞ-las.

Ah! se como eu sei compreendĂŞ-las,
Sentir-lhes os seus filtros salutares,
Pudesse, da amplidĂŁo fria dos ares
Arrancá-las, na mão sempre trazê-las;

Que vagalhões de assombros palpitantes
NĂŁo me viriam perpassar, faiscantes,
Dentro do ser, nuns doutros murĂşrios.

Eu saberia muito mais a causa
Da evolução que nunca teve pausa,
Que é uma audácia transbordando em rios.

Parece Que Nasceste, Oh! Pálida Divina

Parece que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!…
Parece que ao estridor, ao frĂŞmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!…

Parece que se partem, angélica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcĂŁo, em raio que fulmina!…

E quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olĂ­mpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!…

EntĂŁo sente-se n’alma o trĂŞmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indĂ´mitos, frementes!!…