XXXIII
Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nome hei de estampar, Ăł Francelisa,
A ver, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formosura.Já cintilam teus olhos: a figura
Avultando já vai; quanto indecisa
Pasmou na efĂgie a idĂ©ia, se divisa
No engraçado relevo da escultura.Teu rosto aqui se mostra; eu não duvido,
Acuses meu delĂrio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;É tosca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido!
Só me dá esta penha o teu retrato!
Sonetos sobre Olhos de Cláudio Manuel da Costa
9 resultadosLXXIX
Entre este álamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.Na lĂquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?
LXIX
Se Ă memĂłria trouxeres algum dia,
BelĂssima tirana, Ădolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;Confunda-te a soberba tirania,
O Ăłdio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.E já que enfim tĂŁo mĂsero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!
XLV
A cada instante, Amor, a cada instante
No duvidoso mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante.Por entre a sombra fúnebre, e distante
Rompe o vulto do alivio mal formado;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.Corre o desejo ao vê-lo descoberto;
Logo aos olhos mais longe se afigura,
O que se imaginava muito perto.Faz-se parcial da dita a desventura;
Porque nem permanece o dano certo,
Nem a glória tão pouco está segura
XLIX
Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante;
As ondas bate o Grego Navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao ventoEm vão se esforça o harmonioso acento
Da sereia, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espĂrito constante,
Vence as lisonjas do enganoso intento.Se pois, ninfas gentis, rompe a Cupido
O arco, a flecha, o dardo, a chama acesa
De um peito entre os heróis esclarecido;Que vem buscar comigo a néscia empresa,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da beleza!
XXXVIII
Quando, formosa Nise, dividido
De teus olhos estou nesta distancia,
Pinta a saudade, à força de minha ânsia,
Toda a memĂłria do prazer perdido.Lamenta o pensamento amortecido
A tua ingrata, pérfida inconstância;
E quanto observa, é só a vil jactância
Do fado, que os troféus tem conseguido.Aonde a dita está? aonde o gosto?
Onde o contentamento? onde a alegria,
Que fecundava esse teu lindo rosto?Tudo deixei, Ăł Nise, aquele dia,
Em que deixando tudo, o meu desgosto
Somente me seguiu por companhia.
XX
Ai de mim! como estou tĂŁo descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo o trasmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!Ouço o rumor que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do pastor; e desconheço
NĂŁo menos, do que ao dono, o mesmo gado:Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver, quanto em meu dano se executa.Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta;
Que triste alĂvio! ah infeliz Daliso!
XXXI
Estes os olhos sĂŁo da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
NĂŁo sĂŁo para os mortais tĂŁo preciosos
Os doces frutos da estação dourada.Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta regiĂŁo se vĂŞ banhada;Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alĂvios ao mal, que estou gemendo:Mas ah delĂrio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
XI
Formosa Ă© Daliana; o seu cabelo,
A testa, a sobrancelha Ă© peregrina;
Mas nada tem, que ver coa bela Eulina,
Que Ă© todo o meu amor, o meu desvĂŞ-lo:Parece escura a nove em paralelo
Da sua branca face; onde a bonina
As cores misturou na cor mais fina,
Que faz sobressair seu rosto belo.Tanto os seus lindos olhos enamoram,
Que arrebatados, como em doce encanto,
Os que a chegam a ver, todos a adoram.Se alguém disser, que a engrandeço tanto
Veia, para desculpa dos que choram
Veja a Eulina; e entĂŁo suspenda o pranto.