Tomou-me Vossa Vista Soberana
Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar a quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.Contudo, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos ela bem pouco está entendido.Pois, inda que eu me achasse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória,
Eu a levo maior de ser vencido.
Sonetos sobre Olhos de Luís de Camões
53 resultadosSenhora Já Dest’alma, Perdoai
Senhora já dest’alma, perdoai
de um vencido de Amor os desatinos,
e sejam vossos olhos tão beninos
com este puro amor, que d’alma sai.A minha pura fé somente olhai,
e vede meus extremos se são finos;
e se de algüa pena forem dinos,
em mim, Senhora minha, vos vingai.Não seja a dor que abrasa o triste peito
causa por onde pene o coração,
que tanto em firme amor vos é sujeito.Guardai-vos do que alguns, Dama, dirão,
que, sendo raro em tudo vosso objeito,
possa morar em vós ingratidão.
Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga
Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o Céu conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memória, que suspira,
só por fazer convosco eterna liga.Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tão viva vos terei, que frio e fome
vos não possam tirar, nem vãos perigos.Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vós, só com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.
Aquela Triste E Leda Madrugada
Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.Ela só, quando amena e marchetada
saía, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso às almas condenadas.
Qualquer outro Bem Julgo por Vento
Quando da bela vista e doce riso
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraíso.Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assim que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.Em louvar-vos, Senhora, não me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
Sentirá que não pode conhecê-las.Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não é de estranhar, dama excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.
Apartava-Se Nise De Montano
Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memória a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.Pelas praias do Índico Oceano
sobre o curvo cajado s’encostava,
e os olhos pelas águas alongava,
que pouco se doíam de seu dano.Pois com tamanha mágoa e saudade
(dezia) quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo Céu e estrelas.Mas se em vós, ondas, mora piedade,
levai também as lágrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!
Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais
Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do Céu certíssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!
Apolo E As Nove Musas, Discantando
Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influíam
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:-Ditoso seja o dia e hora, quando
tão delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!Assi cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tão ligeira que quase era invisível.Converteu se me em noite o claro dia;
e, se algüa esperança me ficou,
será de maior mal, se for possível.
Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, não quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
Vejo que nem um Breve Engano Posso Ter
Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece,
Que para mi foi sonho nesta vida.Lá numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro após ela; e ela então parece
Que mais de mi se alonga, compelida.Brado: − Não me fujais, sombra benina. −
Ela (os olhos em mi c’um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser)Torna a fugir-me; torno a bradar: − Dina…
E antes que diga mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
Corro Após este Bem que não se Alcança
Oh como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança.
Está Se A Primavera Trasladando
Está se a Primavera trasladando
em vossa vista deleitosa e honesta;
nas lindas faces, olhos, boca e testa,
boninas, lírios, rosas debuxando.De sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta
que o monte, o campo, o rio e a floresta
se estão de vós, Senhora, namorando.Se agora não quereis que quem vos ama
possa colher o fruito destas flores,
perderão toda a graça vossos olhos.Porque pouco aproveita, linda Dama,
que semeasse Amor em vós amores,
se vossa condição produze abrolhos.
Presença Bela, Angélica Figura
Presença bela, angélica figura,
em quem, quanto o Céu tinha, nos tem dado;
gesto alegre, de rosas semeado,
entre as quais se está rindo a Fermosura;olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco o preto marchetado,
que vemos já no verde delicado
não esperança, mas enveja escura;brandura, aviso e graça, que aumentando
a natural beleza cum desprezo,
com que, mais desprezada, mais se aumenta;são as prisões de um coração que, preso,
seu mal ao som dos ferros vai cantando,
como faz a sereia na tormenta.
Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tão fermosos!Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?Mas o mundo não era dino dela,
por isso mais na terra não esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.
Senhora minha, se de pura inveja
Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,Não me pode tolher que vos não veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.Nela vos vejo, e vejo que não nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.Os lírios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!
Lágrimas Tristes Tomarão Vingança
Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.
De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glória que em sofrer tal pena sentem.
Alma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Quando O Sol Encoberto Vai Mostrando
Quando o Sol encoberto vai mostrando
ao mundo a luz quieta e duvidosa,
ao longo de üa praia deleitosa,
vou na minha inimiga imaginando.Aqui a vi, os cabelos concertando;
ali, co a mão na face tão fermosa;
aqui, falando alegre, ali cuidosa;
agora estando queda, agora andando.aqui esteve sentada, ali me viu,
erguendo aqueles olhos tão isentos;
aqui movida um pouco, ali segura;qui se entristeceu, ali se riu;
enfim, nestes cansados pensamentos
passo esta vida vã, que sempre dura.
Quis Deixar-me a que Eu Adoro
Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memória a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.Por ũa praia do Índico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas águas alongava,
Que pouco se doíam de seu dano.Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.Mas se em vós, ondas, mora piedade,
Levai também as lágrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.