Sonetos sobre Lågrimas de Luís de CamÔes

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Aquela Triste E Leda Madrugada

Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mĂĄgoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.

Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂ­a, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderĂĄ ver se apartada.

Ela sĂł, viu as lĂĄgrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.

Eu Cantei JĂĄ, E Agora Vou Chorando

Eu cantei jĂĄ, e agora vou chorando
o tempo que cantei tĂŁo confiado;
parece que no canto jĂĄ passado
se estavam minhas lĂĄgrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta: -Quando?
-Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado
que o passado, por ledo, estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas jĂĄ era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta Ă© mais que os erros?

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lĂĄgrimas vertidas,
Tantos suspiros vĂŁos vĂŁmente dados,

Como nĂŁo sois vĂłs jĂĄ desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?

Se nĂŁo tivĂ©reis jĂĄ longa exp’riĂȘncia
Das sem-razÔes de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vĂłs a resistĂȘncia.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo nĂŁo curou, nem larga ausĂȘncia,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?

Apartava-Se Nise De Montano

Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memĂłria a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.

Pelas praias do Índico Oceano
sobre o curvo cajado s’encostava,
e os olhos pelas ĂĄguas alongava,
que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade
(dezia) quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo CĂ©u e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
levai também as lågrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!

Amor, Co A Esperança Jå Perdida

Amor, co a esperança jå perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrĂĄgio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.

Que queres mais de mim, que destruĂ­da
me tens a glĂłria toda que alcancei?
Não cuides de forçar me, que não sei
tornar a entrar onde nĂŁo hĂĄ saĂ­da.

VĂȘs aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:

nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda nĂŁo estĂĄs de mim vingado,
contenta te com as lĂĄgrimas que choro.

Lågrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vĂłs piedade
De tĂŁo longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vĂłs, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lågrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cå me acharå minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

Eu Vivia De LĂĄgrimas Isento

Eu vivia de lĂĄgrimas isento,
num engano tĂŁo doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
nĂŁo valiam mil glĂłrias um tormento.

Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhĂŒa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.

Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tĂŁo contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:

em troco do qual bem sĂł me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me Ă  memĂłria o bem passado.

Quis Deixar-me a que Eu Adoro

Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.

Por Ć©a praia do Índico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas ĂĄguas alongava,
Que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
Levai também as lågrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.

Vossos Olhos, Senhora, Que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
co Sol em fermosura e claridade,
enchem os meus de tal suavidade
que em lĂĄgrimas, de vĂȘ-los, se derretem.

Meus sentidos vencidos se sometem
assi cegos a tanta majestade;
e da triste prisĂŁo, da escuridade,
cheios de medo, por fugir remetem.

Mas se nisto me vedes por acerto,
o ĂĄspero desprezo com que olhais
torna a espertar a alma enfraquecida.

Ó gentil cura e estranho desconcerto!
Que farĂĄ o favor que vĂłs nĂŁo dais,
quando o vosso desprezo torna a vida?

LĂĄgrimas de Honesta Piedade e Imortal Contentamento

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faĂ­scas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.

A vista, que em si mesma nĂŁo se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que Ă© verdade.

Olhai como Amor gera, em um momento,
De lĂĄgrimas de honesta piedade
LĂĄgrimas de imortal contentamento.

O Raio Cristalino S’estendia

O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.

Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lĂĄgrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no CĂ©u, assi dezia:

-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;

que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂŒa outra pastora.

De quem o mesmo Amor nĂŁo se Apartava

JĂĄ a roxa e clara Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;

Quando o formoso gado se espalhava
De SĂ­lvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor nĂŁo se apartava.

Com verdadeiras lĂĄgrimas, Laurente,
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada,
Porque nĂŁo morre jĂĄ quem vive ausente,

Pois a vida sem ti nĂŁo presta nada.
Responde Sílvio: − Amor não o consente,
Que ofende as esperanças da tornada.

O Dia Em Que Eu Nasci, Moura E Pereça

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
nĂŁo o queira jamais o tempo dar,
nĂŁo torne mais ao mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.

luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.

s pessoas pasmadas de ignorantes,
as lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

Vossos Olhos, Senhora, que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lĂĄgrimas de vĂȘ-los se derretem.

Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisĂŁo, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém se então me vedes por acerto,
Esse ĂĄspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vĂłs nĂŁo dais,
Quando com um desprezo me dais vida?

Doces Despojos de meu Bem Passado

Amor, co’a esperança jĂĄ perdida
Teu soberano templo visitei;
Por sinal do naufrĂĄgio que passei,
Em lugar dos vestidos, pus a vida.

Que mais queres de mim, pois destruĂ­da
Me tens a glĂłria toda que alcancei?
NĂŁo cuides de render-me, que nĂŁo sei
Tornar a entrar onde nĂŁo hĂĄ saĂ­da.

VĂȘs aqui vida, alma e esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Enquanto o quis aquela que eu adoro.

Nelas podes tomar de mim vingança;
E se te queres ainda mais vingado,
Contenta-te co’as lĂĄgrimas que choro.

NascerĂŁo Saudades de Meu Bem

Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas ĂĄguas de cristal,
Que em vĂłs os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;

Silvestres montes, ĂĄsperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que, sem licença de meu mal,
JĂĄ nĂŁo podeis fazer meus olhos ledos.

E pois jĂĄ me nĂŁo vedes como vistes,
NĂŁo me alegrem verduras deleitosas,
Nem ĂĄguas que correndo alegres vĂȘm.

Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lĂĄgrimas saudosas,
E nascerĂŁo saudades de meu bem.

Se AlgĂŒ’hora Em VĂłs A Piedade

Se algĂŒ’hora em vĂłs a piedade
de tĂŁo longo tormento se sentira,
nĂŁo consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saĂŒdade.

Apartei me de vĂłs, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.

Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lågrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.

E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cå me acharå minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.

JĂĄ A Saudosa Aurora Destoucava

JĂĄ a saudosa Aurora destoucava
os seus cabelos d’ouro delicados,
e as flores, nos campos esmaltados,
do cristalino orvalho borrifava;

quando o fermoso gado se espalhava
de SĂ­lvio e de Laurente pelos prados;
pastores ambos, e ambos apartados,
de quem o mesmo Amor nĂŁo se apartava.

Com verdadeiras lĂĄgrimas, Laurente,
-NĂŁo sei (dizia) Ăł Ninfa delicada,
porque nĂŁo morre jĂĄ quem vive ausente,

pois a vida sem ti nĂŁo presta nada?
Responde SĂ­lvio:-Amor nĂŁo o consente,
que ofende as esperanças da tornada.

O dia em que nasci moura e pereça,

O dia em que nasci moura e pereça,
NĂŁo o queira jamais o tempo dar;
NĂŁo torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!