Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?Se não tivéreis já longa exp’riência
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausência,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?
Sonetos sobre Ausência de Luís de Camões
7 resultadosA Dor da Ausência Fica Mais Pequena
Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vós me aparte,
Deixando de meu bem tão grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memória se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausência fica mais pequena.Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tão fora
De me não apartar também da vida?Eu refrearei tão áspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.
Lágrimas Tristes Tomarão Vingança
Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.
Quem Quiser Ver D’amor Üa Excelência
Quem quiser ver d’Amor üa excelência
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciência.Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e próspera ventura;Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na língua o nome, n’alma a vista pura.
Se Algü’hora Em Vós A Piedade
Se algü’hora em vós a piedade
de tão longo tormento se sentira,
não consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saüdade.Apartei me de vós, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausência é de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lágrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cá me achará minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.
A Morte, Que Da Vida O Nó Desata
A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.Duas contrárias, que üa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
üa é Razão contra a Fortuna austera,
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.Mas mostre a sua imperial potência
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da Ausência,
do Tempo, da Razão e da Fortuna.
Aqueles Claros Olhos Que Chorando
Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farão? Quem mo diria?
Se porventura estarão em mim cuidando?Se terão na memória, como ou quando
deles me vim tão longe de alegria?
Ou s’estarão aquele alegre dia
que torne a vê-los, n’alma figurando?Se contarão as horas e os momentos?
Se acharão num momento muitos anos?
Se falarão co as aves e cos ventos?Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausência, tão doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!